Para marcar o aniversário de 252 anos da capital gaúcha, neste 26 de março, resolvi trocar os filmes pelos quadrinhos. E também trocar a cidade dos cartões-postais por lugares que costumam ficar à margem dos nossos olhares, trocar as figuras ilustres pelas pessoas comuns — personagens de Conversas em Porto Alegre, livro que Pablito Aguiar lançou no final de 2023 em edição independente (168 páginas, R$ 90, à venda no site pablitoaguiar.com.br).
Nascido em Alvorada e formado em Comunicação Visual pela Unisinos, Pablito, 35 anos, pode ser definido como um quadrinista-repórter. Desde 2015, retrata relatos reais de porteiros, moradores em situação de rua, padres, mães de santo... Vinte e três deles já haviam sido compilados em Alvorada em Quadrinhos (2016). Depois de publicar Almoço: Uma Conversa com Eliane Brum (2022), chegou a vez de Conversas em Porto Alegre, um projeto iniciado em 2017.
Antes de ser um contador de histórias, Pablito é um escutador de histórias. É uma das lições que aprendeu com os livros, os textos e os diálogos com Eliane Brum, a de escutar o outro, escutar qualquer pessoa, por mais atroz que seja o que ela tenha feito. "A gente escuta com os olhos. Escuta não só as palavras, mas todos os sons... As cores... Toda a percepção dos cinco sentidos. E mais alguns. E tem aquela coisa interna que a gente faz, que eu falo que é atravessar a rua de si mesmo para ser capaz de escutar uma outra experiência de viver", descreve a premiada jornalista e escritora em Almoço.
Para que o leitor se coloque no seu lugar de escutador, para que o leitor se sinta conversando com seus personagens, Pablito Aguiar não aparece em seus quadrinhos. Tampouco fala: o palco é todo dos personagens. Cada conversa é um "um soco na cara da pressa", diz o professor e escritor Luís Augusto Fischer na apresentação; cada conversa foi como "uma viagem a um país novo, com uma nova cultura, nova forma de se expressar, novas paisagens", compara o próprio Pablito ao final, em uma autoentrevista.
Sua viagem começa no Porto Novo, bairro da Zona Norte, onde Amélia trabalha como médica de família e comunidade, participando também de projetos que vão de uma horta comunitária a encontros sobre educação sexual. A parada seguinte é no Lami, do pescador Deraldo. No Nonoai, ouvimos um dos relatos mais emocionantes (chorei de soluçar no epílogo), o de Adriana, com cinco filhos de idades entre 26 e quatro anos.
— A minha história, bem, como é eu vou te dizer... Não tem muitas coisas boas, sabe? — ela fala. — Mas também não é por isso que eu não vou batalhar. Sempre com Deus no coração.
Entre os 14 personagens, estão Betinho, porteiro do edifício mais alto de Porto Alegre, o Santa Cruz, no Centro Histórico; Alice, moradora da Ocupação Baronesa, na Cidade Baixa, que acolhe mulheres indígenas; e Janja, neta de uma escrava fugida e ativista do Quilombo dos Alpes, nos morros da Glória. Pelo menos um é famoso: Toniolo celebrizou seu nome com pichações e adesivos espalhados pela cidade. O único capítulo que destoa um pouco da proposta é o do professor aposentado de Jornalismo Leonam. Ali, em meio a reflexões do entrevistado sobre o ofício e elogios de ex-alunos como a própria Eliane Brum, a cidade não se faz tão presente, as relações humanas não estão tanto em foco.
Pablito termina o livro com um personagem que está no coração de Porto Alegre e que, de certa maneira, espelha o seu trabalho. Artista de rua há 25 anos, o argentino Abraham atua como estátua viva de um anjo na Esquina Democrática. Enquanto se maquia e veste seu figurino, ele discorre:
— Quando eu coloco a roupa, parece que é outra pessoa que existe. Uma pessoa que mais ouve. Eles vêm falar comigo pela minha fantasia, tu me entiende? Vêm contar suas histórias. E eu tô aqui para ouvir histórias, tu me entiende? Eles te contam de tudo, de tudo. Corações de amor, corações de preocupación, de tristeza. Estou aqui para ouvir corações.