"Se arrepender por tempo perdido é perder mais tempo", diz o vilão de Argylle: O Superespião (2024), que estreia nesta quinta-feira (1º) nos cinemas. Vou seguir à risca a lição: não perderei tempo me arrependendo pelas duas horas e 19 minutos perdidas (sem contar os deslocamentos de ida e volta). Será bem curto este texto sobre o filme que, recém na virada de janeiro para fevereiro, já é o meu favorito ao posto de pior do ano.
Escrito por Jason Fuchs, um dos roteiristas de Mulher-Maravilha (2017), o filme tem direção do britânico Matthew Vaughn, que tem um currículo bem respeitável: começou com Nem Tudo É o que Parece (2004), realizou a fantasia Stardust (2007), botou pra quebrar em Kick-Ass (2010), remoçou os super-heróis mutantes da Marvel em X-Men: Primeira Classe (2011) e assina desde 2014 a franquia Kingsman, que já somou quase US$ 1 bilhão nas bilheterias. O elenco inclui Bryce Dallas Howard, Henry Cavill, Sam Rockwell, Samuel L. Jackson, Bryan Cranston, John Cena e a cantora Dua Lipa. Entende-se que os produtores de Argylle tenham gastado US$ 200 milhões — o maior desperdício de dinheiro dos últimos tempos.
Depois dos créditos de abertura, embalados pela contagiante introdução de You're the First, the Last, my Everything (1974), um dos grandes sucessos de Barry White, o filme vai ladeira abaixo.
A proposta é mesclar ação, espionagem e comédia, com referências zombeteiras aos icônicos agentes secretos James Bond e Jason Bourne. Como filme de ação, Argylle nunca empolga. Como filme de espionagem, já vimos deboches melhores. Como comédia, precisa acomodar uma quantidade enorme de mortos, a maioria em um massacre perpetrado pelos próprios mocinhos.
Na primeira cena, o personagem Argylle (pronuncia-se "argaile"), encarnado por Henry Cavill no seu modo mais canastrão e com um topete ridículo, tenta capturar a sedutora Lagrange (Dua Lipa). Os diálogos são tão sofríveis, as cenas são tão clichês, que dá até um certo alívio quando vem a primeira das muitas viradas na trama: estávamos assistindo a uma encenação das aventuras do herói literário criado pela escritora Elly Conway (Bryce Dallas Howard).
O alívio dura pouco. Nesse exercício metalinguístico, os diálogos seguem sendo sofríveis, e as cenas seguem sendo clichês (quantas sequências de ação em um trem vimos nos anos recentes?). Ainda que Sam Rockwell se esforce bastante para provocar risos, o resto do elenco ou parece constrangido, ou parece descomprometido. Ou parece simplesmente sem saber o que fazer — vide Samuel L. Jackson tamborilando numa mesa em uma sala que mistura equipamentos à la CIA e memorabilia da NBA.
Para finalizar, um último alerta: Argylle tem uma cena pós-créditos — que, a não ser que você seja o fã número 1 de Kingsman, também só faz perder tempo. Pior do que isso: ameaça com uma continuação!