O Looke lança nesta quinta-feira (23) um dos filmes mais instigantes do Fantaspoa 2023: Good Boy (2023), do norueguês Viljar Boe. No 19º Festival Internacional de Cinema Fantástico de Porto Alegre, foi apresentado como Bom Garoto, mas a plataforma de streaming resolveu manter o título original para não confundir com o mexicano O Bom Garoto (2022), em cartaz na Netflix.
Das recentes sátiras ao super-ricos, Good Boy é a menos badalada. Não ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes nem concorreu ao Oscar, como Triângulo da Tristeza; não empilhou troféus no Emmy, como as séries Succession e The White Lotus; não reuniu um elenco estelar, como O Menu, com Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, John Leguizamo e Janet McTeer; nem é assinada pelo filho de um cineasta consagrado, como Piscina Infinita, de Brandon Cronenberg.
É também a mais modesta no orçamento — tanto que, no Fantaspoa 2023, competiu na nova seção, Low Budgets, Great Films, para produções baratíssimas — e na duração: 76 minutos. E provavelmente é a mais inusitada: logo na largada, pode deixar o espectador mais perplexo do que os 15 minutos de vômito e diarreia no transatlântico de luxo, do que aquela vingança escatológica do gerente Armond no resort havaiano ou mesmo do que aconteceu no célebre terceiro episódio da temporada final da saga da família Roy.
Good Boy é o terceiro longa-metragem do diretor e roteirista norueguês Viljar Boe, premiado em alguns festivais por sua estreia, Till Freddy (2020). Interpretado por Gard Lokke, o protagonista é Christian, jovem herdeiro de uma fortuna. Ele mora em uma mansão, não trabalha e admite ser antissocial, mas tem suas necessidades carnais.
É no Tinder que procura companhia, como Sigrid (Katrine Lovise Opstad Fredriksen), que não teve um histórico escolar suficiente para garantir vaga na universidade. Ela também é um tanto antissocial: no primeiro encontro com Christian, não dá dois minutos e já está rolando a tela de seu celular.
Mas surge uma conexão entre os dois, e Sigrid vê-se diante de um príncipe encantado, ainda que com traços de excentricidade. Ela revela para a melhor amiga sua preocupação, mas é repreendida: vai deixar de sair com um milionário bonitão só por causa desse detalhe?
O detalhe com o qual Sigrid tem de se acostumar é o cachorro de estimação de Christian. Que na verdade, como nos mostra a sequência de abertura do filme, não é um cachorro, mas uma pessoa que veste uma fantasia de cão, anda de quatro, atende por Frank, come num pote, arfa, late e esfrega o, digamos, focinho pedindo carinho.
Quem é essa pessoa? Por que está fingindo ser um cachorro? Como será a dinâmica na casa agora que Sigrid também está por lá?
São perguntas que Viljar Boe vai respondendo sem pressa, até nos surpreender com outro momento desconcertante (e ainda haverá a poderosa e tenebrosa última imagem, que nos deixará bastante intrigados). Apesar da curta duração do filme, sobra tempo para a crítica social, endereçada tanto ao comportamento abusivo dos ricos quanto às bizarrices do ser humano. Nesse último pacote, dá para incluir o caso do japonês conhecido como Toco, que desistiu de ser gente e investiu o equivalente a R$ 75 mil em uma fantasia ultrarrealista de cão collie, mas também pessoas como a própria Sigrid, que parecem desligar o botão de bom senso e o desconfiômetro quando estão diante dos endinheirados — ou dos supostamente endinheirados, como mostrou no ano passado o documentário O Golpista do Tinder, com o qual Good Boy tem mais em comum do que pode parecer à primeira vista.