Dias atrás, recebi uma mensagem de um leitor da coluna, Tiago Horácio, sugerindo que eu escrevesse sobre acessibilidade nas plataformas de streaming. Por entender que ele tem muito mais propriedade e experiência do que eu no assunto, devolvi a bola para ele, que gentilmente mandou o seguinte depoimento:
"Caros leitores e caras leitoras dessa coluna... Fui incumbido pelo amigo Ticiano para escrever um pouco sobre a minha experiência pessoal em relação à acessibilidade no streaming.
Antes de mais nada, irei contar rapidamente um pouco da minha história. Me chamo Tiago Horácio, tenho 41 anos. Sou publicitário, tenho uma pequena empresa que vende mesas e cadeiras para bares e restaurantes e sou vocalista e baixista de uma banda chamada Os Horácios, que recentemente completou 20 anos.
Onde entra a acessibilidade nisso? Então: tenho uma doença chamada glaucoma que, grosseiramente explicando, faz perder lentamente a visão.
O diagnóstico chegou para mim, aos 12 anos, e infelizmente um tempo depois, jogando futebol, aos 15, sofri um trauma no rosto que descolou minhas retinas e acabei ficando cego.
Comecei a ter que me readaptar à nova vida, sendo que anos 1990 as tecnologias para um deficiente visual eram escassas, para não dizer nenhuma.
Sempre fui ligado à música e ao cinema, desde cedo. Beatles e o Ferris do filme Curtindo a Vida Adoidado (1986) eram meus ídolos de adolescente. Com a música, eu poderia dar um jeito tocando meu violão, escutando os meus discos... Mas e os filmes? Foi então que comecei a perceber a importância da dublagem brasileira.
As histórias pra mim eram contadas, e eu fazia o meu próprio filme na cabeça, com as imagens que eu imaginava estarem acontecendo naquele momento. Sou um entusiasta da nossa dublagem e fico triste quando alguém diminui sua importância.
Mas há vários filmes que são lançados apenas com legendas. Ainda bem que houve a evolução dos softwares de voz em computadores para deficientes visuais. Inclusive é em um desses que estou digitando nesse momento para vocês. O nome específico dele é Voice Over, é da Apple e lê para mim todos textos na tela, entre diversas outras funções.
Por causa desse sistema de voz, hoje o cinema faz parte do meu contexto normalmente. Quando eu acesso uma plataforma de streaming, escolho o filme e, se for em iraniano, esloveno ou inglês, não tem problema! Basta que esteja legendado para que o próprio Voice Over leia as legendas.
Ainda sigo acompanhando as dublagens, mas já não fico mais fora da festa quando tem um filme não dublado em uma das plataformas. Tenho consciência de que nem todos deficientes visuais conseguem ter acesso a um iPhone, mas já existem vários softwares de voz como o Virtual Vision e em outras marcas de aparelhos celulares. O que mais importa nesse relato é saber que cada vez mais a tecnologia viabiliza a acessibilidade e que as empresas preocupam-se com isso. Graças à acessibilidade, eu me sinto mais humano, podendo seguir em frente e convivendo com a minha deficiência visual normalmente.
Ainda precisamos evoluir bastante como sociedade, pois o cotidiano da gente não é fácil. Mas quando eu abro o documentário Travelin' Band: Creedence Clearwater Revival at the Royal Albert Hall, na Netflix, com o software lendo as legendas e me permitindo escrever sobre o doc nas minhas redes sociais, por alguns minutos ter ou não ter visão é um mero detalhe".