A Mostra Pixar, no Cine Farol Santander, em Porto Alegre, exibe nos seus últimos dias os dois maiores sucessos de bilheteria do estúdio de animação. De quinta-feira (28) a domingo (31), a sessão das 15h terá Os Incríveis 2 (2018), que arrecadou US$ 1,24 bilhão. Às 17h30min, será a vez de Toy Story 4 (2019), que faturou US$ 1,07 bilhão. A programação tem entrada franca, e os filmes são dublados em português.
Duração e eventos trágicos à parte, Toy Story 4 (uma hora e 40 minutos) é o Vingadores: Ultimato (três horas) da Pixar. Por coincidência, ambos os filmes foram lançados no mesmo ano, 2019. Ambos demandam que se saiba bastante sobre seus filmes predecessores e nada sobre a história que será contada. É preciso conhecer os personagens e seu passado, estar envolvido, mas também é preciso evitar qualquer tipo de spoiler, pois as surpresas são gatilhos emocionais (se não cheguei a chorar em Ultimato, faltou mão para secar o rosto no terço final de TS 4).
Dito isso, eu espero sinceramente que você já tenha assistido à animação, não apenas porque, neste texto, vou revelar algumas passagens de Toy Story 4, mas também porque se trata de um filme imperdível, que venceu o Oscar de animação e disputou o de canção, mas também poderia, se eu mandasse na Academia de Hollywood, ter recebido indicações a melhor filme, ator, atriz, atriz coadjuvante (essas três pela interpretação toda, não apenas pelas vozes) e fotografia (a iluminação e a profundidade são impressionantes). Vamos lá.
Toy Story 4 e Vingadores: Ultimato não trazem marcas de suas produtoras: o curta-metragem que antecede o filme, no caso da Pixar, e as cenas pós créditos, no da Marvel. Neste último, essa ausência sinaliza o luto pelo fim de um ciclo iniciado 11 anos atrás. No primeiro, serve de aviso: este é mesmo um desenho animado diferente. É chegada a hora de dizer adeus aos queridos personagens que acompanhávamos havia quase 25 anos, desde que Toy Story (1995) nos apresentou ao conflito entre o antiquado Woody, um mero caubói de pano, e o moderno Buzz Lightyear, um astronauta repleto de botões e funções (e que acabou retornando em 2022, em uma aventura solo).
Aliás, aí está outra semelhança da tetralogia da Pixar com a franquia da Marvel: de certa forma, os dois brinquedos espelham o Capitão América, um idealista que foi literalmente trazido de um tempo antigo, e o Homem de Ferro, a personificação algo arrogante de avanços tecnológicos.
A Marvel e a Pixar também olharam para onde os ventos sopram. Se a primeira vem dando espaço à diversidade em títulos como Pantera Negra e Capitã Marvel e arregimentou um batalhão de mulheres para uma cena emblemática da batalha final de Ultimato, Toy Story 4 dá protagonismo às personagens femininas. Os brinquedos que eram de Andy agora estão com a pequena Bonnie. Consequentemente, Woody não tem mais a mesma ascendência: sua estrela de xerife volta e meia vai parar no peito de Jessie, e há uma "prefeita" no armário da guriazinha, a boneca Dolly. A trama foi escrita a partir da pergunta "O que aconteceu com Betty?", o abajur de porcelana visto pela última vez em Toy Story 2 (1999), e que agora encarna a mulher independente e destemida, tendo a seu lado outra garota, Isa Risadinha, um dos tantos alívios cômicos em um filme que aborda temas tão dolorosos como abandono, sentimento de exclusão e depressão. Há até uma vilã, digamos assim, Gabby Gabby, a boneca relegada ao esquecimento e à amargura porque lhe falta voz — extrapolando no simbolismo, é a mulher que sofre calada porque ninguém a escuta.
Os cenários de Toy Story 4 também permitem uma aproximação estética com Ultimato. Se os Vingadores empreendem uma viagem no tempo, em que revisitam momentos marcantes de sua trajetória, Woody e sua turma aventuram-se em lugares que remetem ao passado e à nostalgia: um antiquário e um parque de diversões. Lá, os brinquedos vão revisitar não cenas, mas suas próprias relações e atitudes. O fanfarrão Buzz, por exemplo, vai descobrir sua voz interior — sempre soubemos que por trás da armadura do astronauta e da de Tony Stark havia um enorme coração, né? Um dos personagens novos, o motoqueiro acrobata Duke Caboom, lembra o desacreditado Thor, do filme dos Vingadores, sentindo-se indigno do ato de coragem que deve realizar. A dupla estreante Coelhinho e Patinho (no Brasil, muito bem dublados pelos humoristas Marco Luque e Antonio Tabet) encarna o espírito mordaz do guaxinim Rocky — para eles, a solução passa sempre por tocar o terror.
Como em Ultimato, a jornada de Toy Story 4 é cheia de desafios e desencontros e requer muita união e algum sacrifício — em uma mensagem de nobreza e empatia, Woody entrega sua voz para Gabby Gabby ter uma segunda chance. "Os seus problemas são meus também", já diz a letra da clássica canção Amigo Estou Aqui. A exemplo do Homem de Ferro, Buzz Lightyear assume sua condição de líder, e, tal qual no combate contra Thanos, surgem aliados na hora certa para desviar o rumo da história. Se Thor se junta aos Guardiões da Galáxia, acenando para o futuro, Duke Caboom ganha uma nova família, prenunciando novas aventuras.
Mas, como acontece no filme dos Vingadores, um herói decide, por conta própria, dar o ponto final em sua história. Depois de atuar com sucesso no amadurecimento de Andy, depois de proteger incansavelmente o brinquedo que Bonnie criara como aliada em sua adaptação à escolinha, Garfinho (o que também constitui uma defesa apaixonada da criatividade e da fantasia), depois de tornar-se o fiel depositário das angústias e das alegrias do público que cresceu acompanhando suas aventuras, depois de possibilitar o reencontro de pais com sua própria infância, o velho Woody, assim como o Capitão América, permitiu-se envelhecer. Assim como o soldado legou o escudo ao Falcão, o xerife passou sua insígnia para Jesse. Assim como Steve Rogers pôde, enfim, dançar de novo com a amada Peggy, Woody agora pode, enfim, dançar com a amada Betty.