O Goethe-Institut Porto Alegre e a Cinemateca Capitólio promovem entre 13 e 24 de novembro a mostra O Cinema da Alemanha Oriental. Serão exibidos 12 filmes realizados entre 1946 e 1990 pela DEFA (Deutsche Film-Aktiengesellschaft), a produtora estatal da República Democrática Alemã. O país nasceu em 1949, como consequência do fim da Segunda Guerra Mundial, e existiu até 1990, quando a Alemanha foi reunificada. Uma de suas marcas era o Muro de Berlim, erguido em 1961 e derrubado em 1989, que separava ao meio a cidade e simbolizava a divisão do mundo em dois blocos: o dos países capitalistas, como a República Federal da Alemanha (RFA), e o dos socialistas, alinhados ao regime soviético.
A mostra celebra os 75 anos de fundação da DEFA, que produziu mais de mais de 700 longas-metragens e cerca de 2,5 mil curtas e documentários. As exibições na Capitólio (Rua Demétrio Ribeiro, 1.085, no centro da Capital, fone 51 3289-7458) terão ingressos a R$ 10.
Por e-mail, Marcus Mello, integrante da equipe da cinemateca, respondeu por que vale a pena ver os filmes e fez três indicações (confira sinopses e programação mais abaixo).
Por que ver uma mostra de cinema da Alemanha Oriental? Quais são as marcas e o legado desse cinema?
Porque são filmes de enorme qualidade, praticamente desconhecidos no Brasil, que apresentam um retrato multifacetado de um período histórico complexo, muitas vezes tratado de forma simplista. Além disso, vistos em conjunto, estes filmes nos possibilitam conhecer um pouco mais sobre a vida cotidiana de uma parcela expressiva da população alemã, que durante três décadas viveu uma situação que hoje nos parece quase surreal, bem como entrar em contato com a produção artística de um grupo notável de cineastas, técnicos e atores.
No imaginário do espectador brasileiro, talvez a Alemanha Oriental seja aquela de filmes como Adeus, Lênin (2003) e A Vida dos Outros (2006): um cenário de repressão, censura, vigilância, ressentimento e decadência. Os títulos selecionados corroboram essa visão? Ou trazem olhares que podem surpreender?
O grande diferencial dos filmes exibidos nessa mostra em relação aos dois títulos citados é que todos foram realizados antes da queda do Muro de Berlim, em 1989, em momentos distintos da história da chamada Alemanha Oriental — e na própria Alemanha Oriental. Isso oferece aos espectadores a possibilidade de entrar em contato com outras visões daquele período histórico. Já existem, sim, abordagens bastante críticas, claro, como o filme Rastro de Pedras, de 1966, que foi proibido pela censura, e só pôde ser visto novamente a partir de 1989, mas também obras mais solares, como A Lenda de Paul e Paula (1972), que se tornaria um filme de culto entre os jovens alemães. Além disso, podemos ver um tratamento muito interessante de temas como a emancipação das mulheres, a homossexualidade, a vida operária e as circunstâncias tão singulares relacionadas à experiência de se viver em um país literalmente dividido.
Se o leitor só puder assistir a três filmes, quais tu recomendas e por quê?
Rastro de Pedras (1966), de Frank Beyer, que costuma ser citado como um dos melhores filmes de toda a história do cinema alemão e é pouco conhecido aqui no Brasil; o clássico Os Assassinos Estão Entre Nós (1946), de Wolfgang Staudte, primeiro filme rodado na Berlim arrasada pelos bombardeios, logo após o final da Segunda Guerra, com uma extraordinária fotografia expressionista em preto e branco; e Coming Out (1989), de Heiner Carow, obra referencial do cinema queer, sobre a relação de um professor casado com um jovem de 19 anos, um filme que, além de abordar frontalmente o tema do homoerotismo, já anuncia os estertores do regime comunista alemão.
Os filmes
Os Assassinos Estão Entre Nós (1946), de Wolfgang Staudte
Na Berlim em ruínas de 1945, Susanne Wallner é obrigada a dividir seu apartamento com um ex-cirurgião alcoólatra, Dr. Mertens. Ambos tentam sobreviver, encarando os traumas de um passado recente, em meio a uma Berlim destruída. Mertens encontra Brückner, seu ex-capitão e responsável pela execução de dezenas de civis durante a guerra, agora um empresário de sucesso, o que revolta o ex-médico.
Berlim: Esquina Schönhauser (1957), de Gerhard Klein
Filme sobre um grupo de jovens em conflitos existenciais que convivem com as normas de uma sociedade dividida, classificados pela coletividade socialista como "atípicos": dançam em lugares públicos músicas ocidentais ouvidas em rádios portáteis e usam penteados e gestos pautados pela estética "inimiga".
O Céu Dividido (1964), de Konrad Wolf
Alemanha Oriental, 1961, pouco antes da construção do Muro de Berlim. Depois de um colapso nervoso, Rita Seidel deixa a cidade de Halle e retorna a seu vilarejo, em busca de tranquilidade. Na fábrica e na universidade, ela enfrenta conflitos com políticos oportunistas e ideólogos linha-dura.
O Coelho Sou Eu (1965), de Kurt Maetzig
Feito para encorajar a discussão sobre a democratização da sociedade da Alemanha Oriental, o filme foi rapidamente banido por autoridades como um ataque ao Estado. Nele, uma jovem estudante tem um caso com um juiz hipócrita que uma vez sentenciou o irmão da jovem por suas atividades políticas; ela acaba por confrontá-lo com o seu oportunismo e contribuição para a injustiça.
Karla (1965), de Herrmann Zschoche
Karla Blum, uma jovem professora, se forma na universidade com boas notas e assume com entusiasmo uma vaga na escola onde deve ensinar. Ela é o tipo de pessoa a quem é importante ter uma opinião própria e não aceitar soluções simplistas e, assim, não quer ensinar alunos como papagaios. Entretanto, muitos de seus alunos já não sabem mais como fazer perguntas, argumentar ou procurar soluções de forma independente.
Rastro de Pedras (1966), de Frank Beyer
Na grande obra de Schkona, quase tudo vale como justificativa para lutar pelo cumprimento do planejamento econômico e pelo material da construção. O brigadeiro Balla e seus homens desfrutam de uma liberdade extravagante, pois seu estilo de trabalho pouco ortodoxo prova ser muito eficiente. Quando a jovem tecnóloga Kati e o novo secretário do partido, Horrath, chegam, os conflitos começam a surgir e Balla tem que se posicionar. Rastro de Pedras foi censurado em dezembro de 1965 e só voltou a ser exibido em novembro de 1989.
A Lenda de Paul e Paula (1972), de Heiner Carow
Paul e Paula tiveram más experiências amorosas na vida. Paul é bem sucedido financeiramente, mas não ama mais a esposa. Paula tem uma vida problemática por ser mãe solteira e ter que criar seus dois filhos sozinha. Ambos se conhecem e se apaixonam. A vida parece um sonho quando estão juntos, mas a realidade, vez ou outra, faz questão de vir à tona devido aos laços de Paul com sua família e carreira.
O Terceiro (1972), de Egon Günther
Margit é uma mulher na casa dos 30 anos que trabalha em uma empresa de médio porte como matemática. Com dois filhos, ela já se desiludiu e se divorciou duas vezes. Um tanto tímida e reprimida, decide tomar as rédeas de sua vida amorosa e ir em busca de um terceiro parceiro, ao invés de deixar essa chance ao destino e ao acaso.
Solo Sunny (1978), de Konrad Wolf
Ingrid Sommer, uma jovem operária, tenta fazer carreira como cantora com o nome Sunny. Com a banda Tornados, a jovem percorre o interior do país.
Adeus, Inverno (1989), de Helke Misselwitz
Um ano antes da queda do Muro, a documentarista Misselwitz viaja de trem de norte a sul na Alemanha Oriental para descobrir "como os outros viviam e queriam viver". No caminho, encontra as mais diferentes mulheres que, em parte voluntariamente, em parte forçadas pelas circunstâncias, buscam sua liberdade pessoal e falam de suas preocupações e de suas esperanças.
Coming Out (1989), de Heiner Carow
Conta a história de Philipp, um jovem professor que está confuso sobre sua sexualidade e está casado com uma colega para manter as aparências. Uma noite, ele entra em um bar gay e conhece Matthias, um jovem de 19 anos que rapidamente se interessa por Philipp.
O Muro (1990), de Jürgen Böttcher
O pintor e cineasta Böttcher confia na visão e no som para contemplar, neste documentário, o significado histórico e simbólico do Muro de Berlim - seus últimos dias são acompanhados sem diálogos diretos.
A programação
Sábado, 13/11
- 15h: Os Assassinos Estão Entre Nós
- 17h: Berlim: Esquina Schönhauser
- 19h: Adeus, Inverno (apresentação do Cineclube Academia das Musas)
Domingo, 14/11
- 15h: O Terceiro
- 17h: Solo Sunny
- 19h: Rastro de Pedras
16/11
- 15h: Berlim: Esquina Schönhauser
- 17h: O Céu Dividido
- 19h: Karla
17/11
- 15h: O Coelho Sou Eu
- 17h: O Terceiro
- 19h: A Lenda de Paul e Paula
18/11
- 15h: Solo Sunny
- 17h: Coming Out
19/11
- 15h: Os Assassinos Estão Entre Nós
- 16h30min: Rastro de Pedras
- 19h: O Céu Dividido
20/11
- 17h: O Muro
21/11
- 17h: Coming Out
- 19h: O Coelho Sou Eu
23/11
- 15h: A Lenda de Paul e Paula
- 17h: O Terceiro
- 19h: Karla
24/11
- 15h: Adeus, Inverno
- 17h: O Muro