Nada é o que parece ser em Garota Exemplar (Gone Girl, 2014), cartaz da Tela Quente desta segunda-feira, às 23h10min, na RBS TV. O próprio filme, que durante a maior parte do tempo transcorre como um suspense policial sobre o desaparecimento de uma mulher, a certa altura transfigura-se em um potente manifesto sobre o desaparecimento de muitas mulheres: aquelas que são forçadas ou se forçam a serem as "garotas exemplares ", uma fantasia montada para atender aos desejos masculinos e incentivada pela indústria do entretenimento.
Dirigido por David Fincher e estrelado por Rosamund Pike e Ben Affleck, Garota Exemplar é uma adaptação do romance homônimo de Gillian Flynn, ela mesma autora do roteiro do filme que despertou o interesse de Hollywood por sua obra — depois vieram Lugares Escuros (2015), com Charlize Theron, a minissérie Sharp Objects (2018) e o seriado Utopia (2020), criado diretamente para o streaming.
Contar muito da trama é estragar o prazer de quem curte plot twists — e há um punhado de reviravoltas. Tudo começa com o sumiço de Amy (Rosamund Pike) no dia em que comemoraria cinco anos de casada com Nick (Ben Affleck) numa cidadezinha do Missouri. No decorrer da investigação, surgem indícios de um possível crime, e o marido desponta como o principal suspeito. Contra Nick, pesa ainda o fato de ele não mostrar o comportamento esperado de alguém diante de um baque emocional desse porte.
A história intercala o ponto de vista de Nick, no presente, e o de Amy, no passado — a partir de anotações dela em um diário que rememoram o início do relacionamento, quando o casal circulava pelas altas rodas sociais e culturais de Nova York e transava até em bibliotecas públicas.
Aos poucos, segredos vão sendo revelados na mesma medida em que surgem mistérios intrigantes e personagens interessantes. Entre esses, estão a detetive Rhonda Boney (Kim Dickens) e o policial James Gilpin (Patrick Fugit), mas principalmente o advogado Tanner Bolt. Interpretado pelo ator e cineasta Tyler Perry, ele observa com ironia e perspicácia o teatro de aparências, vaidades e objetivos escusos formado em torno do badalado caso.
Maior bilheteria na carreira de David Fincher — com US$ 369,3 milhões, desbancou O Curioso Caso de Benjamin Button (2008), que fez US$ 335,8 milhões, e Seven (1995), US$ 327,3 milhões —, Garota Exemplar deu sequência a uma espécie de tradição do diretor em relação ao Oscar. Sete de seus 10 primeiros longas-metragens, desde Alien 3 (1992), concorreram a pelo menos uma estatueta dourada (os mais bem-sucedidos foram Benjamin Button e A Rede Social, de 2010, cada um vencedor de três prêmios). O 11º, Mank, deve manter a escrita em 2021. A honra dessa vez coube à inglesa Rosamund Pike, indicada ao troféu de melhor atriz. Foi o ponto máximo de sua trajetória, que inclui as cinebiografias da jornalista de guerra Marie Colvin (Uma Guerra Pessoal, 2018) e da cientista Marie Curie (Radioactive, 2019).