O aspecto mais saudável de Tomb Raider: A Origem, cartaz da Tela Quente desta segunda-feira (10), às 22h45min, na RBS TV, salta aos olhos na comparação entre as cenas iniciais desse filme – produzido em 2018 e inédito na TV aberta – e as da primeira adaptação cinematográfica do game sobre a arqueóloga aventureira Lara Croft, lançado em 2001.
Na abertura do filme mais antigo – protagonizado por Angelina Jolie, Oscar de melhor atriz coadjuvante por Garota, Interrompida (1999) –, Lara duela com um robô e, depois de derrotá-lo, vai tomar um banho na mansão onde mora. Tanto nas cenas de combate quanto na hora do chuveiro, há ênfase no corpo da atriz, que joga os cabelos molhados para trás, como se estivesse em um videoclipe de hard rock dos anos 1980. No instante seguinte, pelo ponto de vista de seu mordomo, o espectador vira um voyeur enquanto a personagem livra-se da toalha e fica nua.
Na abertura de Tomb Raider: A Origem, Lara – encarnada pela sueca Alicia Vikander, Oscar de melhor atriz coadjuvante por A Garota Dinamarquesa (2015) – também surge envolvida em um duelo, travado em uma academia de boxe. Só que tudo é mais realista, e o corpo da personagem não está ali para sensualizar, e sim para bater e apanhar. Aliás, Lara perde a luta. E no instante seguinte, sabe-se lá se de banho tomado ou não, já tem de partir para outra luta – agora, a do trabalho como ciclista entregadora de encomendas.
É que esta Lara Croft é rica no papel, mas não na prática, pois ainda não reconheceu a morte do pai, o arqueólogo Richard (Dominic West), desaparecido sete anos atrás na costa do Japão. A propósito: este Tomb Raider, como o subtítulo original explicita, é o que os americanos chamam de reboot. Depois dos dois filmes estrelados por Angelina Jolie em 2001 e em 2003 (A Origem da Vida), a franquia baseada no game britânico criado em 1996 foi reiniciada do zero – seguindo os passos do próprio game, que em 2013 lançou um recomeço da série.
Nunca joguei, mas dizem que o filme dirigido pelo norueguês Roar Uthaug (de A Onda, 2015) reproduz fielmente cenas, cenários e até o visual da heroína virtual. Fato é que as sequências de ação são bem trabalhadas, ainda que não sejam necessariamente memoráveis, com exceção daquela que envolve a carcaça de um avião em uma catarata – ali, sim, faz-se a magia dos efeitos especiais, vive-se a ilusão da vertigem e do perigo.
Na trama, Lara descobre uma pesquisa de seu pai sobre uma lenda japonesa, a de Himiko, uma rainha enterrada viva que é capaz de trazer a morte, uma ameaça para toda a humanidade – especialmente se cair nas mãos do vilão, o mercenário Mathias Vogel (Walton Goggins). A mocinha resolve seguir as pistas de Richard, o que a leva a uma série de aventuras pelo porto de Hong Kong, em alto-mar e na tal ilha do Japão.
Pode não haver nada de muito original ou empolgante, na narrativa e na ação, para quem está acostumado a filmes como Indiana Jones, Allan Quatermain, A Múmia e A Lenda do Tesouro Perdido, a não ser pelo principal: todos esses títulos têm, predominantemente, protagonistas masculinos. Tomb Raider busca mostrar que mulheres também podem ser heroínas cinematográficas – a exemplo da Katniss Everdeen da saga Jogos Vorazes (2012-2015), que, com seu sucesso financeiro, abriu o caminho para mais produções do tipo, incluindo a nova franquia de Lara Croft.
Mais do que isso: essas personagens não precisam ser sexualizadas, tampouco o par romântico é obrigatório. Nesse sentido, Lara Croft é uma irmã um pouco mais velha e bem menos rica de Capitã Marvel (2019), que faturou US$ 1,1 bilhão nas bilheterias (Tomb Raider: A Origem arrecadou US$ 274 milhões). Ambos são filmes sobre mulheres que se definem por si próprias, e não por quem elas beijam ou deixam de beijar. Há mais semelhanças: as duas personagens caem, mas se levantam, erram, mas amadurecem. São sobreviventes e são vitoriosas: estrelado novamente por Alicia Vikander e dirigido por Ben Wheatley, Tomb Raider 2 está previsto para 2021.