Cheguei em casa e minhas filhas correram para me convocar:
— Pai, se tu acha que o filme do Luccas Neto é ruim, tu tem de ver Chapeuzinho Vermelho no Castelo das Trevas.
As duas exibiam no rosto um sorriso meio perverso, a expressão de quem acabara de descobrir o prazer de assistir a uma bomba. Não é todo filme ruim que permite esse tipo de fruição (alguns só se mostram chatos ou fracos) e, claro, o espectador precisa estar disposto a encarar a vergonha alheia, precisa exercer a schadenfreude, precisa exercitar a paciência diante de uma história que não sai do lugar — que é o pior dos predicados deste Chapeuzinho Vermelho (Little Red Riding Hood, 2016), espantosamente incluído pela Amazon Prime Video no seu catálogo, uma maçã podríssima no meio de títulos como O Poderoso Chefão, Precisamos Falar sobre o Kevin e Tully (só para citar três que eu gostaria de rever, se tempo desse em árvore).
O filme é escrito, dirigido, editado e o escambau por Rene Perez, um californiano que, pesquisei depois, tem especialização em gosto duvidoso. Encarna uma espécie de Ed Wood contemporâneo (não conhece? Assista ao longa homônimo de Tim Burton), assinando franquias genéricas como The Dead and the Damned (de zumbis) e Playing with Dolls (de serial killers), além de outras versões para contos de fadas (A Rainha do Gelo, A Bela Adormecida no Reino da Magia). Recentemente, tal qual Ed Wood, ganhou algum status de cult graças ao faroeste Once Upon a Time in Deadwood, estrelado por Robert Bronzi (um sósia do ator Charles Bronson) e Michael Paré (ele mesmo, do malfadado Ruas de Fogo, lançado em 1984 por Walter Hill) e pegando carona no mais recente Tarantino, Era Uma Vez em... Hollywood (Once Upon a Time in Hollywood, no original), e no telefilme do seriado Deadwood.
Os créditos de abertura já prenunciam o desastre. Uma fonte pavorosa e difícil de ler, ainda mais que usada na cor vermelha sobre fundos escuros, revela os nomes absolutamente desconhecidos do elenco: Iren Levy, Nicole Stark, Robert Amstler. Tudo isso é embalado por uma trilha sonora incessante e repetitiva, executada pelo próprio Perez, sob a alcunha de The Darkest Machines, em sintetizadores que remetem aos mais sombrios pesadelos de quem não suporta os shows musicais nas praças de alimentação dos shoppings.
Quando começa o filme, até que desperta uma boa vontade. A fotografia não é de todo ruim no bosque pelo qual uma opulenta Chapeuzinho Vermelho se desloca para levar remédios a sua vovozinha. Lobo Mau, por enquanto, não dá o focinho, mas, sim, um tal de Cavaleiro Negro, que mais parece um pastiche do Voldemort, da saga Harry Potter, feito para um desfile de Carnaval com alguma restrição orçamentária.
Chapeuzinho corre para um lado, corre para o outro, a música fica mais tensa, mas nada, de fato, acontece. Daí, somos levados para dentro de um castelo, onde um personagem muito semelhante ao Cavaleiro Negro, provavelmente o Rei das Trevas, revê, por meio de algum artifício mágico, toda a movimentação anterior – e nós somos obrigados a rever a Chapeuzinho correndo para um lado, correndo para o outro, sem que nada, de fato, aconteça!
Nada também é muito dito no filme. Os longos períodos sem diálogos não parecem uma escolha consciente, uma inspiração em David Lynch, por exemplo, mas uma imposição involuntária: as máscaras e a maquiagem pesadas devem dificultar a fala dos personagens que habitam o castelo (bastante decalcados do universo de O Labirinto do Fauno).
Até que, enfim, o Rei das Trevas, cambaleante como se soubesse que qualquer movimento brusco poderia causar um acidente evacuatório, desce ao calabouço, toca um high-five nas mãos de um prisioneiro qualquer que emerge das grades e depois liberta o Lobo Mau para atrair Chapeuzinho ao castelo. Então, o filme demonstra uma ambição artística, a de acentuar a perenidade do mito: a narrativa avança para o presente, onde uma suposta digital influencer, Carol Marcos, vive aventuras na "natureza selvagem" para confrontar o pai. Ela está tirando fotos de "paisagens incríveis" e acaba sendo caçada pelo rei – ou algo assim: confesso que não cometi o sacrifício de rever a passagem para me certificar. Certo é que, como a Chapeuzinho do passado, Carol Marcos vai correr para um lado, correr para o outro – e nada acontecerá!
Essa é a tônica do filme ao longo de seus 81 minutos: nunca parece sair do lugar, em uma pasmaceira que só é quebrada por alguns efeitos especiais muito toscos, como uma fumaça preta que é aspirada pelo rei (ele se alimenta do medo das pessoas) e umas luzes roxas e vermelhas que simbolizam o campo de força do castelo. Embora não haja cenas de sexo, Rene Perez apela para componentes, hum, eróticos: das três personagens femininas, duas mostram os seios. O herói, um tipo taciturno e tarado, à certa altura diz a frase que poderia ser dirigida a todo espectador de Chapeuzinho Vermelho no Castelo das Trevas, em um surpreendente momento de metalinguagem.
— Que tipo de lugar é esse? — ele pergunta para Chapeuzinho.
— É um lugar de horror — ela responde.
— Então, estou partindo. É bom você partir também.