Me tornar um atleta olímpico abriu muitas portas. Posso afirmar com certa tranquilidade que, após participar dos Jogos, minha vida transformou-se completamente, e com algumas exceções, como escrever nesta coluna, minha rotina é praticamente a mesma de antes das Olimpíadas.
Isso não deveria fazer muito sentido, certo? Como minha vida mudou se a rotina é quase idêntica? E lhes digo agora, passei a ser muito mais visível, a responsabilidade de promover os valores positivos do esporte também aumentou. Além disso, aos olhos da grande maioria, eu me tornei uma espécie de super-humano, um ser admirável que está em um patamar desejado por muitos, mas alcançado por poucos.
Parando para refletir, isso é muito gratificante, afinal eu treinei a vida inteira para alcançar esse nível e acho justo que haja um reconhecimento. No entanto, ao mesmo tempo, fico me perguntando se isso não acaba de certa forma me limitando, pois sou muito mais do que apenas um atleta olímpico e acredito que o mesmo acontece com todos os meus semelhantes que compartilham desse título.
Por um acaso do destino, esta semana assisti a uma TED Talk da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie intitulada O Perigo de uma Única História. Trata-se de uma palestra muito interessante sobre como narrativas influenciam o pensamento do grande público e, neste caso, como uma única narrativa não conta a história completa.
Dentre as várias coisas mencionadas, uma me marcou profundamente e tomei a liberdade de traduzir:
“A consequência de ter uma única história/narrativa é que ela rouba a dignidade das pessoas. Faz com que o reconhecimento da nossa humanidade comum seja dificultado e enfatiza o quão diferente nós somos em vez do quão similar.”
E isso é uma das questões que me surgem ao observar cada vez menos crianças e jovens interessados no esporte. Será que não estamos fazendo parecer algo que não é?
Digo isso porque, desde que me tornei um olímpico, ocasionalmente, vou a algumas escolas para conversar e, nesses breves momentos, consigo me aproximar um pouco e entender melhor o pensamento da juventude.
Geralmente, quando os professores entram em contato comigo, pedem para que eu fale da importância da disciplina, da determinação e do estudo para eu chegar onde cheguei, e isso pode de fato inspirar. Mas tento apresentar de uma forma que eles consigam se ver fazendo isso, não de uma maneira que eu esteja “acima” deles.
Ao me ouvirem, é crucial que eles consigam se ver no meu lugar e não se sintam oprimidos, como se o que fiz fosse impossível para eles.
Recentemente, fui a uma escola onde, após a minha palestra, os alunos fizeram várias perguntas sobre a vida esportiva e minha trajetória no esporte até que um corajoso finalmente perguntou:
— Qual é a tua comida favorita, Samory?
E confesso que não estava esperando uma pergunta desse tipo. Prontamente, respondi churrasco. Muitos concordaram, alguns discordaram, mas houve um debate e, após isso, uma enxurrada de perguntas:
— Tu prefere gato ou cachorro? Qual tua cor favorita? Tu sabe tocar algum instrumento?
Foram muitas perguntas nessa linha, e a cada resposta iniciava-se um debate. Eu via alguns olhos brilhando por encontrarem algo em comum comigo.
Isso me marcou muito porque, em quase 20 anos de vida atlética, nenhum entrevistador me perguntou essas coisas. Eu tive raramente a oportunidade de falar sobre as coisas que me fazem ser eu, sem ser o fato de estar na condição de atleta.
Acredito que ao verem as semelhanças, eu consiga inspirá-los muito mais do que apenas mencionar o quão difícil é chegar a uma Olimpíada.
Talvez ao fazê-los entender que, apesar de ter escolhido um caminho desafiador, eu sou uma pessoa igual a eles, faça o interesse deles pelo que eu faço ser maior.
O que quero dizer, em suma, é que precisamos extrair a ideia de que atletas olímpicos estão em um patamar de super-humanos. Ao humanizá-los, trazemos-vos para mais perto do grande público.
Ao nos relacionarmos por nossas similaridades, obtemos uma boa forma de inspirar mais jovens e crianças a se tornarem atletas. É importante que nos aproximemos dessa forma. Como sempre falo aqui nas minhas colunas, atletas não são apenas atletas.
E que bom que não são.