Marcelo Casanova desfilava no aeroporto de Guarulhos quando foi interpelado por fãs para tirar uma foto com a medalha de bronze. Enquanto tomava café da manhã em um hotel de Porto Alegre e comia ovo mexido, mais uma vez pediram uma foto. A cada veículo de comunicação que entrava, era mais uma vez parado para um registro em uma rede social qualquer.
Essa, querendo ou não, é a nova realidade e rotina da vida do judoca, medalhista de bronze nos Jogos Paralímpicos de Paris. Na quase uma hora em que esteve no prédio do Grupo RBS, o atleta do Recreio da Juventude mostrou uma serenidade atípica para um jovem de 21 anos.
Algo completamente contrastante com os planos de Marcelo para a próxima sexta-feira (13), quando pretende comemorar com os amigos a tão sonhada conquista na Paralimpíada.
Em sua primeira participação nos Jogos, o gaúcho de Caxias do Sul conseguiu ganhar a medalha de bronze após uma luta disputada contra o italiano Simone Canizzaro.
— Estar lá para mim é a realização de um trabalho, de um sonho, a coroação de tudo que a gente passou durante toda a minha jornada no judô. E a medalha é um sonho que era mais distante, só que a gente sempre acreditou. Realizei meu maior sonho, que era conquistar a medalha.
Nascido e criado no Rio Grande do Sul, Marcelo viu de perto os prejuízos causados pela enchente de maio no Estado. A força e superação do povo gaúcho foram fundamentais também dentro do tatame para o judoca nunca desistir nos combates.
— Eu pego essa força para mim e tento usar isso dentro do tatame. Às vezes estar numa situação adversa ou estar nervoso para uma competição e pensar que eu faço parte de um Estado que tem um povo muito batalhador, eu tento transmitir isso no tatame.
Confira a entrevista completa
Primeira Paralimpíada e primeira medalha. Quero saber se já caiu a ficha dessa medalha que está aqui na nossa frente?
Aos pouquinhos, a ficha está caindo. Na hora, meio extasiado, não tinha tido a dimensão dessa conquista, desse resultado. Mas depois, vendo toda a repercussão e a dificuldade que foram as lutas e analisando mais friamente, a ficha aos poucos está caindo.
O que passa na cabeça durante os quatro minutos de luta? O que tu pensaste durante a disputa contra o italiano que valeu o bronze?
É, na luta são quatro minutos muito intensos, né? Então a gente não tem muito tempo para pensar em nada. Claro, antes da competição, antes da luta, a gente fica nervoso, pensa, reflete, faz todo aquele mental. Mas na hora da luta, a gente não pensa em nada. O que vai fazer? Qual a passada que vai dar? Qual o golpe que vai dar? Como vai defender? Então ali não dá tempo para nada. É só ganhar ou ganhar.
Em uma entrevista recente, tu comentaste sobre a virada de chave que é preciso fazer entre a derrota na semifinal e a luta pelo bronze. Como foi administrar isso logo em tua primeira Paralimpíada?
É, a Paralimpíada, o evento em si, ele é um evento muito grande e, como todo mundo sabe, é o maior evento do mundo. Mas a competição em si, ela é a mesma competição que a gente leva durante o ciclo inteiro, né? Então, os adversários são os melhores do ciclo, mas são os adversários que a gente pegou durante todo esse período. Então ali, na primeira luta, acabei passando. Quando eu perdi para o francês, fiquei triste, fiquei mal. Mas já vindo de outras experiências de competições, a gente consegue se reerguer, se estabilizar o mental e focar para a disputa do bronze. A gente tem um período longo entre a semifinal e a disputa do bronze, então deu para manter a cabeça no lugar e voltar focada.
Estar lá para mim é a realização de um trabalho, de um sonho, a coroação de tudo que a gente passou durante toda a minha jornada no judô. E a medalha é um sonho que era mais distante, só que a gente sempre acreditou. Realizei meu maior sonho que era conquistar a medalha.
MARCELO CASANOVA
Bronze na Paralimpíada
Como é que é ter 21 anos e ter essa maturidade para administrar esse tipo de pressão?
Sim, sim. É essa maturidade que a gente vai ganhando competição a competição, né? Faço judô há muito tempo, desde os meus nove anos, sempre competindo, então acho que eu sempre busquei ter a cabeça no lugar para competir. Não sei se é maturidade ou se é costume ou se é alguma outra coisa, mas nessa vez deu certo.
Como é que foi para ti a sensação de disputar essa Paralimpíada em Paris?
Quando eu recebi a convocação para estar nos Jogos, já foi a realização de um sonho. Estar lá para mim é a realização de um trabalho, de um sonho, a coroação de tudo que a gente passou durante toda a minha jornada no judô. E a medalha é um sonho que era mais distante, só que a gente sempre acreditou. Realizei meu maior sonho que era conquistar a medalha.
Como é que foi a tua primeira experiência fora do tatame? Como é que foi vivenciar a Vila Paralímpica? Como é que foi compartilhar tantos momentos com tantos colegas diferentes?
É uma competição completamente diferente, porque geralmente a gente vai viajar só para o judô. É competição de judô, a gente convive com o pessoal da seleção do judô, com os outros atletas de outros países do judô. Nessa competição maior, a gente convive com todo tipo de atleta de vários esportes. Então, a troca de experiências, a troca de interação é muito bacana, muito legal. Fora a Vila Olímpica ali, que tem uma estrutura absurda com refeitório 24h, zona internacional, todas essas coisas diferentes. Para mim, foi uma experiência única. Claro.
Como foi fazer parte da seleção de judô, que foi a líder do quadro de medalhas da modalidade na Paralimpíada?
Para mim é uma honra estar dividindo essa conquista com esses atletas de gabarito aí. Esse ciclo a gente fez uma preparação muito forte. A gente participou de quase todas as competições do ciclo, então a gente veio muito bem preparado. O trabalho ali dos senseis Alexandre Garcia, Jair Bragança, o Adriano, todos esses profissionais, o preparador físico também, fizeram um trabalho muito forte, muito bem feito e que resultou nessa grande façanha do nosso país.
Como é que é fazer parte do recorde de medalhas do Brasil nos Jogos Paralímpicos?
Também é uma grande honra estar nesse time aí de medalhistas e mostra que o nosso país está cada vez crescendo mais no esporte paralímpico, com cada vez mais investimento, cada vez mais o olhar das pessoas para essa causa e para esses esportes paralímpicos. Então é uma honra e eu fico muito feliz de estar fazendo parte dessa história.
Como foi ter a presença da tua família e dos teus amigos te assistindo nos Jogos Paralímpicos de Paris?
Para mim foi sensacional. Eu já sabia que eles iam estar presentes e eles, meus pais, meus irmãos, meus tios, minha prima e alguns amigos que fizeram judô comigo durante a minha caminhada. A presença deles para mim foi muito especial. Tenho certeza de que me deu forças para não desistir dentro do tatame, para eu dar tudo de mim lá dentro. E depois ali, quando eu peguei a medalha de bronze, foi uma festa. Até quebrei o protocolo, fui para a torcida, abracei eles, pulei com eles. Depois, quando peguei a medalha no pódio também, fui lá, abracei. Então, para mim foi uma festa e vai ficar eternizado na minha memória e no meu coração.
Quais são os próximos passos do Marcelo durante o ano de 2024?
Agora é aproveitar essa medalha, aproveitar com a família, curtir com todo mundo que fez parte dessa medalha. E agora é pensar que tem um próximo ciclo. Eu sou um atleta ainda muito jovem, então, se Deus quiser, tenho muitos ciclos pela frente. Mas focar nesse ciclo que começa no final do ano com uma competição em Astana. Não sei se vamos estar presentes, mas já com um olhar nela. E focar porque esse ciclo não vai ser de três anos, vai ser de quatro, é um ciclo um pouco maior. Tentar estar bem preparado, na ponta dos cascos para me manter entre os melhores no Brasil, me manter entre os melhores no mundo e conseguir mais uma classificação para os Jogos de Los Angeles.
Chega uma etapa da vida que a gente fica, será que vamos para outra área? Vamos continuar no esporte? E o apoio da família, do clube, do Recreio da Juventude e das pessoas foi muito importante nesse momento. Então, a gente olha para trás e com essa conquista dessa medalha, vê que tudo vale a pena. Que o trabalho é sempre recompensado.
MARCELO CASANOVA
Bronze na Paralimpíada
Como é ver que toda tua trajetória se converteu nessa medalha de bronze?
Ah, é muito gratificante ver, olhar para trás, ver tudo que a gente passou desde o meu início no esporte. Que no início era uma brincadeira, mas depois conseguimos transformar em uma profissão. E é como eu já tinha falado, a gente olhando para trás, às vezes a gente vê algumas dúvidas. Será que está valendo a pena? Será que é isso que eu quero para a minha vida? Porque chega uma etapa da vida que a gente fica, será que vamos para outra área? Vamos continuar no esporte? E o apoio da família, do clube, do Recreio da Juventude e das pessoas é muito importante nesse momento. Então, a gente olha para trás e com essa conquista dessa medalha, vê que tudo vale a pena. Que o trabalho é sempre recompensado.
Se pudesse definir essa medalha com uma palavra, qual seria?
Eu acho que união. Sonho. É uma medalha que passa por muitas mãos. Muitas pessoas fizeram parte dessa medalha. E é a realização de um sonho. Eu acho que eu defino em duas palavras. Uma é muito pouco. Eu acho que é união e sonho.
A gente sabe que o Rio Grande do Sul passou por uma situação muito difícil nesse último ano com a questão da enchente. Como é para ti também representar o Estado em um ano tão complicado como esse?
Até ali na época da enchente, eu disputei uma competição na Geórgia. E até o meu sensei Giovanni falou para mim que, cara, luta pensando nessas pessoas que perderam tudo e se reergueram e vão para a batalha e são muito guerreiras. Então, eu pego essa força para mim e tento usar isso dentro do tatame, para ter força. Às vezes estar numa situação adversa ou às vezes estar nervoso para uma competição e pensar que eu faço parte de um Estado que tem um povo muito batalhador e que eu tento transmitir isso no tatame.