Da primeira imagem tirada de um astro lá se vão 181 anos — o registro, da Lua, é do britânico John W. Draper, em março de 1840. Desde então, o gosto em fotografar o céu só aumenta. A chamada astrofotografia, além de algum conhecimento técnico, exige mais do que paixão: é preciso persistência e uma certa tendência à aventura, o que a encaixa nesta coluna. É que a poluição luminosa, de cidades grandes e pequenas, é inimiga de morte. Então, é preciso buscar lugares afastados, em noites de céu limpo e pouca umidade, para captar a Via Láctea, nebulosas, a Lua... O assunto é levado tão a sério. que a International Dark-Sky Association (IDA) promove a Semana Internacional do "Céu Escuro" — neste ano, de 5 a 12 de abril — para que as pessoas descubram o céu, já que 83% da população mundial vive em locais com poluição luminosa.
Convidei três fotógrafos que costumam incursionar pelo Rio Grande do Sul captando essas imagens para falar sobre o tema: o engenheiro André Nery, 55 anos, o médico Domingos Martins Costa, 67, e Fabio Viero, 43, da área de TI.
André Nery
"Graças à evolução tecnológica, mesmo sem muito investimento, hoje conseguimos produzir imagens belíssimas que nem imaginávamos possíveis. Isso gera a consciência da preservação dos céus escuros para as gerações futuras.
Nossas fotos sempre trazem a ligação de um elemento da paisagem com a noite estrelada. Numa das idas para o litoral, fotografamos os restos de um naufrágio na região de Mostardas. Iluminamos com pequenos painéis de led para ressaltar os destroços, e a Via Láctea surgiu imponente ao fundo.
É nesses momentos que eu reconheço o que a fotografia é para mim: ela nunca é exata, e isso é justamente o oposto do meu lado racional, além de ser minha maneira favorita de me desligar da correria do dia a dia."
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Fabio Viero
"Sempre fui fascinado por ciências naturais e depois veio o gosto pela fotografia. Resolvi juntar as duas paixões e comecei a fotografar as estrelas. Por aqui, a região dos Campos de Cima da Serra tem fácil acesso e muitas áreas afastadas de cidades grandes. O grande inimigo da fotografia do céu noturno é a poluição luminosa. Ainda que pouca gente dê importância, ela tem influência enorme, e negativa, na nossa saúde e na da vida selvagem, pois impacta os ritmos de claro e escuro a que estamos acostumados há milhares de anos. Não podemos deixar de iluminar nossas cidades, óbvio, mas podemos fazê-lo de forma a preservar o escuro da noite.
Sem nenhum misticismo, nos damos conta de fazemos parte e temos a mesma origem de tudo o que vemos no céu. Nossas desavenças aqui se tornam pequenas. É uma excelente terapia."
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Domingos Martins Costa
"Registro o céu à noite porque é de uma beleza deslumbrante e misteriosa. Grande parte da humanidade nunca viu e as próximas gerações provavelmente nunca verão muito do que ele oferece, até mesmo a Via Láctea. Quero deixar o meu registro para o futuro. Como dizia Olavo Bilac, é preciso sensibilidade e amor para ouvir e admirar as estrelas.
Para a foto ficar interessante, o ideal é fazer uma composição da Via Láctea, por exemplo, com algo no solo (pode ser uma árvore, uma igrejinha, uma casa), para dar dimensão a ela. No Rio Grande do Sul, considero as regiões do litoral de Mostardas e Tavares e o litoral entre Rio Grande e Chuí muito boas para fotografar.
Não sou crente, mas quando vejo a imensidão do céu, é mágico. Por que as pessoas vão à Disney e não olham para o céu?"
BOX
Dicas para quem quer praticar
* Há dois tipos de astrofotografia: a de espaço profundo e a de campo aberto. Na segunda modalidade, praticada pela maioria, os principais temas são a parte central da Via Láctea, visível de fevereiro a outubro, e outros pontos de interesse do céu do Hemisfério Sul, como as nuvens de Magalhães.
* É necessário deslocar-se até áreas muito escuras e afastadas e enfrentar noites frias, já que as melhores épocas para fotos do céu são no nosso inverno. Escolha dias próximos à Lua Nova, pois em noites enluaradas não se consegue ver muito do céu.
* O RS é um dos melhores pontos para observação da Via Láctea. Aqui ainda existem áreas escuras (na Europa, leste dos EUA ou mesmo no Estado de São Paulo elas não existem mais) e não há animais que possam gerar preocupação enquanto fotografamos.
* O equipamento básico é uma câmera com ou sem espelho (DSRL ou Mirrorless) — são máquinas em que mexemos na velocidade (tempo de exposição), na abertura do diafragma da lente e na asa (sensibilidade do sensor) — e uma lente que pode ser a 18-55 f4-5.6, adquirida como parte da maioria dos kits básicos de fotografia. Hoje em dia é possível usar até smartphones. Os "celulares top" conseguem fotos boas se manuseados por pessoas experientes em astrofotografia. O equipamento ideal é formado por câmeras com sensor Full Frame e lentes grande angular com abertura grande (f2.8 ou mais, lembrando que quanto menor o "número f", maior a abertura).
* Um tripé bem firme é imprescindível, além de uma lanterna. Saber andar e "enxergar" no escuro evita acidentes.
* Aplicativos para ajudá-lo: PhotoPills, SkyView, Star Chart, Star Walk e The Photographer's Ephemeris (TPE) e/ou Ephemeris: Sol e Lua
Fontes: André Nery, Domingos Martins Costa e Fabio Viero.