Nos anos 1940, meu avô comprou uma pequena propriedade no interior do Vale do Taquari para se instalar com a família. Sua primeira constatação, contou-me um tio com 90 anos recém feitos, foi a de que não havia nenhuma escola próxima e muitos de seus vizinhos tinham filhos iletrados, já adolescentes ou mesmo jovens adultos.
Meu avô não teve dúvidas: colocou à disposição a sala na casa de tábuas largas e malcortadas para que os rebentos da vizinhança, crianças, adolescentes, jovens, tivessem lições com uma das filhas. Era minha mãe, de apenas 14 anos, quem ensinava as primeiras letras. Assim, ela virou professora, profissão exercida por 14 anos formalmente – mais tarde, ela faria a formação para o magistério possível na época – e pelo resto da vida por diletantismo. Esse mesmo tio brindou-me com uma foto da época, como que para provar a história que me contava. Na frente da casa, umas 60 pessoas cercam minha mãe: só ela sentada, segurando, orgulhosa, um livro aberto nas mãos. Uma menina, um pouco mais instruída do que os demais, dividindo com eles o que sabia.
Nessas muitas décadas passadas, sabe-se, o professor não é mais o único detentor do conhecimento. Mas a escola continua sendo seu principal difusor. Sem educação, restam as trevas. Por isso dói, a cada início de ano letivo, perceber que, apesar dos discursos, escola e educação seguem não sendo prioridades – ainda há, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados em janeiro, mais de 2 milhões de brasileiros, crianças e adolescentes, fora da sala de aula. Dói ouvir o secretário estadual de Educação dizer que se arrependeu "de não ter fechado mais escolas". Sei que, do ponto de vista da gestão, é preciso racionalizar recursos, oferecer estruturas melhores, dar mais condições aos professores em escolas equipadas, ainda que isso redunde em deslocamentos dos estudantes, para ficar só numa das consequências. Não há mais espaço para escolas improvisadas e multisseriadas como a de minha mãe.
Mas dói ouvir "fechar escolas" sabendo que tantos precisam delas. Também dói saber que pais – de colégios públicos e muitíssimos do ensino privado – delegam às autoridades e aos professores a educação dos filhos, eximindo-se de qualquer responsabilidade. Como se pagar – impostos ou mensalidades – fosse o suficiente. Não é. A educação precisa não só de dinheiro, mas do investimento de todos. É o que pode nos tirar dessa barafunda – econômica, ética, de segurança…
Li numa entrevista recente do diretor do departamento educacional da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, Andreas Schleicher, um dos responsáveis pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), que sua primeira lição à frente do cargo foi a de que os países que chegaram ao topo do ranking convenceram seus cidadãos de que é preciso valorizar a educação "acima de todas as outras coisas".
Temos todos de aprender essa lição. Antes que seja tarde.