*Publicado no blog Recortes de Viagem em 28 de junho de 2016
Francisco Mattos, ou Chicco Mattos, fincou seu trenó no Ártico quase por acaso. Foi porque o dinheiro na então vida de mochileiro ao lado da mulher tinha acabado e uma amiga os convidou para tentarem a vida por lá. E a vida do gaúcho de Passo Fundo começou a acontecer na Noruega nos últimos cinco anos.
A vida de Chicco num lugar onde as temperaturas mínimas descem com frequência abaixo de -40ºC virou uma série que estreou no canal Off no início de junho – Minha vida no Ártico – e está sendo contada em 13 episódios, às sextas, às 21h30min, com assinatura da Schutterbird Production. Ela também já figurou na capa do site do New York Times. E será palestra em Passo Fundo e Porto Alegre nos dias 13 e 14. Na apresentação Aurora boreal e autoconfiança, o bate-papo desse gaúcho de 35 anos será sobre como ele se transformou de barman em aventureiro apaixonado por natureza e por fotografia.
Fiz perguntas ao Chicco por e-mail e ele as respondeu e selecionou as fotos que ilustram esta página. Achei que mereciam a coluna inteira. Confira a seguir.
Por que viver na Noruega
Eu morei dois anos e meio na Austrália. Lá conheci minha noiva. Ela é de Estocolmo (Suécia). Tínhamos o sonho de viajar o mundo juntos e o fizemos. Passamos oito meses no Brasil. Depois disso, literalmente, nosso dinheiro acabou, estávamos sem um tostão. Uma amiga sueca trabalhava em uma ilha ao norte da Noruega e, em conversas por Skype, ela insistia para que fôssemos trabalhar lá, pelo ótimo salário e pela qualidade de vida. Três meses depois, fomos à ilha de Spitsbergen, no arquipélago de Svalbard, morar na única cidade, que se chama Longyearbyen (a cidade mais ao norte do mundo).
Fomos somente para passar uma temporada de três meses. Seria o suficiente para conhecer e juntar um dinheiro para continuar mochilando. Me apaixonei pelo lugar: 42 nacionalidades e 25 línguas faladas fazem da pequena Longyearbyen um dos lugares mais cosmopolitas do mundo. Hoje, vivo aqui há cinco anos, tenho casa própria e trabalho com o que amo. Não penso em me mudar. Aqui é minha casa agora. Estou enraizado no Norte.
Caçador de aurora boreal
É muito difícil e diria impossível contar as auroras que já vi. Foram mais de cem, com certeza. O termo caçador de aurora vem da dificuldade de avistar o fenômeno. Já dirigi mil quilômetros em um dia atrás da aurora. Para avistá-la, é preciso fugir das nuvens e das luzes da cidade. Por isso o termo caçar, porque, se você ficar parado esperando, provavelmente não vai avistar as famosas luzes do Norte.
A aurora é, na minha opinião, o maior fenômeno natural do planeta, ocorre a cem quilômetros de distância do chão, ou seja, no limite do espaço sideral. Não basta ver uma vez. Toda vez que você vê a aurora, ela é única e toca os olhos e o coração. É emocionante. Já chorei, gritei, meditei sob essas luzes.
Depois de dois anos morando em Svalbard e vendo a aurora, presenciei uma explosão solar gigante multicolor no céu. Parecia réveillon em Sydney ou Copacabana. Depois disso, entendi por que pessoas se deslocam de todo o mundo para tentar a sorte com os céus aqui de Svalbard. A combinação das montanhas brancas com estas cores no céu é sem explicação.
Fotografia de ursos-polares
Sou formado em Comunicação Social e, na faculdade, tive o prazer de estudar e aprender fotografia. Sempre comprava câmeras e fazia alguns trabalhos de foto e vídeo. Mas nada que me inspirasse de verdade. O dia em que eu vi o primeiro urso-polar, percebi que eu estava no lugar certo e tinha descoberto minha paixão. Amo esses animais, eles têm uma cara tão inocente.
Um dia, tirei uma foto de uma mamãe ursa com os filhotes. Eu vendi a foto para uma empresa de turismo daqui e eles tiveram 61 mil curtidas na foto em 24 horas. Aí percebi que eu fazia diferença e que milhares de pessoas admiravam aquela natureza tanto quanto eu. Quero ser intermediário entre a natureza ártica e o público em geral.
Sobrevivência na selva de gelo
Uma vez, quase atropelei dois ursos. Estava andando distraído com minha moto de neve, e um amigo que estava na garupa me alertou no último segundo. O branco no branco me confundiu. Eles estavam brigando (os ursos). Era uma mãe tentando salvar seus filhotes de serem devorados por um urso macho.
Acredite se quiser: ursos-polares são canibais. Cientistas acreditam que, devido ao aquecimento global, os ursos estão comendo praticamente qualquer coisa, até mesmo outro urso. A ursa amedrontou um macho duas vezes o tamanho dela para salvar os filhotes. Aquilo foi lindo e emocionante. Nunca mais vou esquecer a cena da família urso celebrando mais um dia e a sobrevivência na selva de gelo.
A última fronteira
Acho que a última fronteira para mim seria atravessar a Antártica de uma ponta a outra, uma expedição de moto de neve. Já fui à Antártica duas vezes e estou me informando sobre a possibilidade. O céu é o limite, e a vida é curta. O que gostaria de registrar ainda seria uma baleia Orca comendo uma foca. Isso é um registro raríssimo.
PARA ASSISTIR ÀS PALESTRAS
Aurora boreal e autoconfiança
– 13 de julho, em Passo Fundo, às 20h, no Teatro do Sesc, com renda revertida para a Ong Bem A Bá.
– 14 de julho, em Porto Alegre, às 20h, no auditório do IPA (Rua Coronel Joaquim Pedro Salgado, 80)
– Ingressos a R$ 20 (R$ 10, meia)