Volto a Buenos Aires para cobrir o segundo turno da eleição, mas não posso restringir-me à disputa entre Sergio Massa e Javier Milei, porque essa é uma briga que deve interessar menos aos leitores destas crônicas de domingo do que as impressões sobre viver e passear em Buenos Aires em tempos de crise. Repito aqui a impressão que ficou do primeiro turno: Buenos Aires segue esplêndida neste final de novembro, com suas avenidas largas e arborizadas, seus parques e praças concebidos à época da fartura. Sim, há pessoas vivendo nas ruas, mas não mais do que no centro de São Paulo, por exemplo.
Hoje quero falar de dois lugares em que estive ontem para me certificar de que, mesmo com a crise, o que é bom não morre em Buenos Aires. Almocei no Sorrento, em Puerto Madero, um restaurante que tem a melhor parrilla de frutos do mar que conheci na vida. E lá se vão 12 anos. Se mudou, foi para melhor, ou essa é uma percepção causada pela memória do olfato e do paladar.
Certo é que havia mais mesas ocupadas ontem do que em julho de 2011, talvez por ser verão, talvez porque amanhã é feriado nacional e a capital está repleta de turistas. Brasileiros, em sua maioria. Por 31 mil pesos, o que dá pouco mais de 30 dólares, duas pessoas comem até fartar-se. Do vinho não é preciso dizer: os preços são incrivelmente baixos se comparados ao que pagamos pelos mesmos rótulos no Brasil. E isso que o IVA é de 21%.
Além do Sorrento, eu tinha me prometido visitar outro lugar que está no top 10 das minhas memórias bonairenses: o Café Tortoni, que tem apenas 102 anos mais do que eu. Conheci o Tortoni há quase 30 anos e, desde então, sempre que possível dou um jeito de tomar o melhor café com leite da capital argentina. Comi a torta de maçã, mas fiquei de olho comprido para a cheesecake com banho de frutas vermelhas. Quase uma mousse, se é que esta descrição ajuda a compreender o que é indescritível.
O Tortoni não é só o café mais tradicional de Buenos Aires. É um patrimônio cultural que abrigou artistas de todas as gerações, uma galeria de quadros de todos os gêneros e um templo gastronômico onde também se pode beber vinho, cerveja ou a tradicional sidra.
Das outras vezes em que estive aqui, não enfrentei filas. Ontem, havia 30 pessoas na frente quando cheguei e 39 quando saí. O serviço continua o mesmo, com garçons gentis que atendem rápido e não olham atravessado mesmo quando a pessoa termina o café e fica um pouco mais a contemplar as paredes repletas de quadros.