Estou de volta à cidade pela qual me apaixonei em 1994, quando descobri que tínhamos uma Madri a uma hora e meia de avião de Porto Alegre. Viemos eu, meu marido e nosso filho de três anos e meio, que adorou o metrô porque chacoalhava o tempo todo. Encantou-me a arquitetura, que em alguns trechos lembra mais Paris, os cafés, a gentileza das pessoas, a música e os dançarinos de tango a se exibir na Calle Florida. Detestei a comida, mas o problema era eu e não os restaurantes que atraem turistas brasileiros dispostos a se empurrar de carne com as parrillas completas.
Nunca consegui comer carne vermelha, mas naquele novembro de 1994 eu ainda não sabia que tinha um ótimo motivo para ficar nauseada com aquele cheiro incessante de churrasco. Ficava nauseada e passei aqueles dias comendo pizza e café com medialunas. Na volta, soube que estava grávida e isso explica aquela rejeição ao cheiro das ruas de Buenos Aires.
Luiza, que nasceu oito meses depois, também ama Buenos Aires. Há alguns anos, quando era adolescente e estava na fase de aprender a tocar guitarra, viemos passar uma semana, só nós duas, na capital argentina. Era inverno e passávamos horas caminhando. Todos os dias ela me obrigava a passar pela Calle Talcahuano, para conversar com os vendedores de instrumentos e acessórios. Voltamos com uma guitarra, uma maleta de pedais e muitos casacos adquiridos a preço de banana numa loja da Corrientes.
Sentávamos nos restaurantes para almoçar e o cheiro das carnes não me incomodava. Comia peixe, camarão e polvo, pedia uma garrafinha de vinho de 375ml e fazia planos de voltar todos os anos, mas os voos diretos foram escasseando e vim a Buenos Aires menos do que gostaria.
Estive aqui naquela eleição em que Néstor Kirchner, com zero carisma, derrotou Carlos Menem, figura conhecida pela arrogância e pelo desastre de seu governo anterior. Os dois foram para o segundo turno e retornei para cobrir o que aqui chamam de “ballotage”, mas quando desci do avião em Ezeiza soube que Menem tinha renunciado.
Nesses anos todos a Argentina viveu sucessivas crises. Está novamente mergulhada em uma assustadora, com o dólar e a inflação nas alturas e muita incerteza sobre o futuro. Ganhe quem ganhar esta eleição, não serão fáceis os próximos anos.
Apesar da crise que abala o moral dos argentinos, eles seguem gentis nas lojas, nos hotéis e nos restaurantes. Adoram os brasileiros, porque chegam com dólares e reais para comprar produtos que estão muito em conta para o nosso poder aquisitivo. As ruas estão tomadas por cambistas que gritam “cámbio, dólares, reales, cámbio, cámbio”. Não ouvi nenhum falando em pesos uruguaios ou chilenos, nem em guaranis. Aqui, os brasileiros estão em alta. Pena que de Porto Alegre para cá só tenha um voo direto, o da Aerolíneas, que ontem veio completamente lotado.
Consola-me saber que a Argentina já esteve pior e se levantou. Lá no início dos anos 2000, chegou a ter três presidentes em cinco dias. Já vi a Calle Florida mais degradada, já vi mais gente pedindo esmola nas ruas, já vi mais sem-teto em outras viagens. Já vi Buenos Aires mais suja e mais triste. Hoje, o país sofre com a corrupção, o populismo, a má gestão. Que o vencedor desta eleição seja capaz de tirar a Argentina do buraco, mas 40% dos eleitores ouvidos em uma recente pesquisa acreditam que vai piorar e só 27% que vai melhorar. Tomara que estejam errados.