A estrada que leva a Muçum serpenteia acompanhando o curso do Rio Taquari. Visto de cima, o Taquari parece inofensivo com a superfície plácida brilhando sob o sol de outubro. Mas basta olhar as margens para perceber que as marcas da enchente do começo de setembro ainda estão ali, quase inacreditáveis. O rio arrombou as margens, violentou as árvores, arrastou casas, arrebentou pontes, invadiu prédios, levou móveis e matou pessoas.
Os moradores agora o encaram com medo, outros com raiva. O Taquari não é mais o rio aprazível que muitos escolheram para ser o seu quintal, construindo casas a sua margem em Muçum e Roca Sales, na certeza que estavam seguros.
Um mês depois, a palavra de ordem no Vale do Taquari é "reconstrução". Os moradores acorrem à prefeitura de Muçum em busca de informações, de material de construção, de cópia de documentos ou da simples inscrição no Cadastro Único. Sim, o CadÚnico, destinado à população de baixa renda, virou a tábua de salvação de pessoas antes classificadas como de classe média. Como perderam tudo, agora dependem dos programas sociais do governo.
O próprio prédio da prefeitura é um retrato do que ocorre em boa parte das casas em Muçum. Tinha sido destelhado pela tempestade de granizo em julho. Estava tapado com lona quando desabou o temporal de setembro. Como a chuva alagou o segundo e o terceiro piso, os servidores levaram o que puderam para o primeiro andar. Veio a enchente e levou uma parte dos arquivos. Outra ficou danificada.
Os funcionários precisam identificar o que já estava digitalizado e arquivado na nuvem e o que se perdeu em papel, nos computadores ou nos HDs que se imaginava estivessem seguros. Perto da escada que leva ao terceiro andar é possível ver as caixas danificadas e sentir o forte cheiro de lodo que vem dos papéis apodrecidos.