De advogado novo, o tenente-coronel Mauro Cid emitiu sinais consistentes de que não arcará sozinho com as irregularidades praticadas a mando do ex-presidente Jair Bolsonaro. Conhecido pela eloquência e pela firmeza, o advogado Cezar Roberto Bitencourt, nascido em Cacique Doble, mas hoje à frente de uma das bancas mais requisitadas de Brasília, deu uma entrevista reveladora à CNN na manhã desta quarta-feira (16).
— Mauro Cid, como assessor, segue ordens, cumpre ordens do chefe. Não tinha como se desvincular. Ele assessorava o presidente numa variedade de situações, além inclusive da função oficial. Quer dizer, ele servia para tudo — disse Bitencourt.
Questionado sobre a possibilidade de uma delação premiada, o advogado respondeu que considera esse instrumento "uma aberração", mas fez a ressalva:
— Não está no meu radar nem no do Mauro (Cid) fazer delação. Agora, se for recomendável, guerra é guerra, iremos conversar. Reconheço que a delação premiada é um instituto jurídico legítimo. São armas que ficarão à disposição da defesa.
Tanta clareza não precisa de tradução, mas convém lembrar de algumas premissas:
- O novo advogado acabou de assumir a causa porque o outro defensor pediu para sair alegando motivos pessoais. Nas entrelinhas, ficou implícita uma quebra de confiança entre Cid e o advogado anterior, mas pode haver uma divergência, por exemplo, entre fazer ou não uma delação premiada.
- Cezar Bitencourt deu essa declaração depois de falar com o cliente. Disse uma coisa óbvia: que assessor segue ordens, cumpre ordens do chefe. Mas nesse caso das joias são tantas as versões que Cid poderia assumir a culpa pela venda e ir para o sacrifício, mas está claro que não o fará.
- Mauro Cid não está sozinho na história. A Polícia Federal descobriu que seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid, se envolveu (ou foi envolvido) na venda das joias. São, portanto, duas biografias fardadas que precisam defender sua reputação.
- Se o ex-ajudante de ordens assumir como sua a iniciativa de vender o rolex de ouro, presente dos árabes, passará para a história como ladrão de relógios, coisa que, segundo a investigação, ele não é.
- Com a investigação adiantada, o que Cid diz ou não importa menos do que as provas encontradas no seu celular ou nas quebras de sigilo bancário. O capítulo decisivo dessa série ainda está por vir.
Relógio vendido e recomprado
A entrevista de Bitencourt ocorre um dia depois de o advogado Frederick Wasseff, que há anos trabalha para a família Bolsonaro, reconhecer publicamente que, sim, foi ele que viajou aos Estados Unidos para recomprar o rolex devolvido ao Estado brasileiro, que é seu verdadeiro dono.
No dia em que foi alvo da Operação da Polícia Federal batizada de Lucas 12:2 ("Mas nada há encoberto que não haja de ser descoberto; nem oculto, que não haja de ser sabido") Wassef divulgou nota dizendo que não sabia de nada. Diante das provas exibidas, voltou atrás, mas contou uma história com jeito de lorota. Disse que a iniciativa foi dele e que não recebeu pedido de Bolsonaro, Mauro Cid ou qualquer outra pessoa. Justificou que tem renda para comprar um rolex com dinheiro vivo e conta em banco nos Estados Unidos.
Os investigadores não estão questionando se Wassef tem ou não condições para encher uma mala de dólares e comprar um relógio de R$ 300 mil. O que está em discussão é se ele foi laranja na operação. O advogado, convém lembrar, é o mesmo que escondeu Fabrício Queiroz em seu sítio em Atibaia quando esse outro mandalete da família Bolsonaro estava sendo procurado pela polícia.
Aliás, se Wassef recomprou o rolex com seu próprio dinheiro, na conta de quem foram parar os dólares da venda do relógio nos Estados Unidos? Essa é a chave para decifrar os enigmas.