Encerrada a primeira viagem internacional do presidente Lula neste terceiro mandato, o que fica? A par do desejo legítimo de ressuscitar o Mercosul e ampliar as transações comerciais com o bloco agonizante, a viagem foi marcada pelo que Lula disse e pelo que deixou de dizer nos discursos, especialmente em Buenos Aires.
Líder da maior economia da América Latina, o presidente perdeu uma oportunidade única para defender a democracia no continente. Com a desculpa de que não quer interferir na autonomia de outros países, Lula não disse uma palavra sobre as violações de direitos humanos em Cuba, na Venezuela e Nicarágua. Não falou da falta de liberdade, da forma autoritária como são tratados os adversários dos regimes e da manipulação de eleições, que estão muito longe de se assemelhar a um processo democrático.
Defensores do governo dirão que a China também é uma ditadura e que viola os direitos humanos, e ninguém se importa porque é o maior comprador de produtos brasileiros. Lula deveria se importar. Um democrata não pode simplesmente bater continência para ditadores. Poderia, no mínimo, ter falado em democracia quando disse que espera ver normalizada a situação de Cuba, mas limitou-se a falar do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos. Poderia ter tratado da tragédia humanitária que empurrou milhões de venezuelanos para fora do país, inclusive para o Brasil, pelos erros de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Deveria ter expressado alguma discordância em relação aos métodos de Daniel Ortega para se perpetuar no poder na Nicarágua.
Quando falou sobre "tentações autoritárias" que "até hoje desafiam nossa democracia", na abertura da 7ª reunião de cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), Lula se referia à tentativa de golpe contra ele, perpetrada por extremistas de direita. As tentações autoritárias, porém, estão na raiz da falta de alternância no poder por parte de líderes a quem chama de companheiros.
Em uma de suas primeiras falas, em Buenos Aires, Lula exaltou a amizade com o presidente da Argentina, Alberto Fernández, e cometeu um dos piores deslizes da viagem. Disse que a Argentina terminou o ano de 2022 "em situação privilegiada, não apenas na economia e na política, mas no futebol". A situação privilegiada vale apenas para o futebol, com a conquista da Copa do Mundo. Na economia, a inflação de 2022 ficou em 94,8%. E não é uma inflação psicológica, como insinuou Fernández, mas sentida no bolso pelos argentinos.
Segunda ponte em Jaguarão
Com tantas obras paradas por falta de recursos, será o momento de iniciar uma segunda ponte entre Jaguarão e Rio Branco, no Uruguai?
O presidente Lula fez essa promessa ao presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, mas é legítimo questionar o que deve ser prioridade, dado que a ponte atual — uma das mais bonitas do Estado — supre a necessidade de circulação entre as duas cidades.
Não seria o caso de investir em reparos e construir pontes onde hoje a passagem se dá por balsas? Ou concluir primeiro as obras da BR-116, no trecho sul, e na Região Metropolitana?
ALIÁS
O fato de Jair Bolsonaro ter feito um governo desastroso não dá ao presidente Lula carta branca para cometer erros que podem comprometer sua gestão.