Os blogs e podcasts de amigos funcionam para o presidente Jair Bolsonaro como o cercadinho do Palácio da Alvorada: ali ele destrava a língua, solta o verbo e fala o que não devia. Depois diz que foi mal interpretado ou que os adversários (ou a mídia) distorceram duas declarações.
O episódio do fim de semana é mais um exemplo típico dessa forma de comunicação que os admiradores chamam de “espontânea”. Bolsonaro falou para o podcast de um admirador e, lá pelas tantas, relatou um episódio de 2021, quando passou de moto pela comunidade de Morro da Cruz, em São Sebastião, na periferia de Brasília, e encontrou um grupo de meninas venezuelanas.
— Eu estava em Brasília, na comunidade de São Sebastião, de moto. Parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei um cas menininhas bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas no sábado numa comunidade, e vi que eram parecidas. Pintou um clima, voltei. "Posso entrar na sua casa?", entrei. Tinha umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. Aí eu te pergunto, menina bonitinha se arrumando sábado de manhã para quê? Para ganhar a vida — disse o presidente ao podcast.
A expressão “pintou um clima”, normalmente usada como sinônimo de atração sexual, fez os adversários acusarem o presidente de pedofilia. O vídeo viralizou na tarde de sábado e, na madrugada de domingo, o presidente fez uma live para se explicar. Disse que não era nada daquilo e que só estava mostrando a triste situação dos imigrantes venezuelanos.
O problema do presidente não termina aí. O que Bolsonaro insinuou que fossem meninas de 14, 15 anos, se enfeitando para “ganhar a vida” como prostitutas, nada mais era do que uma ação social. Uma venezuelana confirmou que naquele dia uma brasileira que estava fazendo curso de estética foi até a comunidade praticar técnicas de corte de cabelo, design de sobrancelha e maquiagem.
Era o dia da beleza, como confirmou a dona da casa visitada por Bolsonaro. Uma das meninas era filha dela. Outra, sua sobrinha.
Se houvesse prostituição infantil, o presidente deveria ter chamado o Conselho Tutelar, o Ministério Público, o Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos, mas nunca insinuar que aquelas adolescentes estavam se preparando para “ganhar a vida”. À época, ele fez uma transmissão do local, lamentando apenas que os venezuelanos tivessem de sair do seu país como consequência da ditadura de Nicolás Maduro. Foi na entrevista ao podcast que falou na aparência das meninas e insinuou que se tratava de prostituição infantil.