Como se diz no popular, a juíza Ana Lúcia Todeschini, titular do cartório eleitoral de Santo Antônio das Missões e Garruchos, atravessou a estrada para pisar numa casca de banana que estava na outra margem. A magistrada acertou no diagnóstico, quando disse que “a bandeira nacional é utilizada por diversas pessoas como sendo de um lado da política”, mas errou na prescrição de restringir o uso da bandeira no período de propaganda eleitoral.
É fato que o presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus seguidores se apropriaram da bandeira como símbolo e usam em seus perfis nas redes sociais, mas não há na legislação eleitoral nada que proíba. Se Bolsonaro ou qualquer outro candidato quiser se enrolar na bandeira e desfilar em uma passeata, tudo bem. Já se viu essa cena incontáveis vezes em 2018 e em manifestações a favor do governo, mas a bandeira segue sendo do Brasil. Pendura quem quer na sua janela, embora quem não é bolsonarista não queira fazê-lo para não ser confundido.
A popularização da bandeira do Brasil é fenômeno recente. Nos anos 1970 e 1980, esse símbolo nacional era tratado com tal reverência que seria uma afronta alguém se enrolar na bandeira ou fazer dela uma canga de praia, um biquíni, uma camiseta, um protetor de mala, um vestido ou uma fatiota, como se vê hoje. Naquela época, em pleno regime militar, bandeira era para ser hasteada com solenidade e ficava nas repartições públicas e nas escolas. Hoje, não.
O culto à bandeira é extremamente popular nos Estados Unidos, e lá ter uma bandeira nacional pendurada na janela não quer dizer que o sujeito é republicano, democrata ou apartidário. As lojas de souvenir de Nova York ou de qualquer cidade norte-americana estão repletas de objetos que reproduzem a bandeira dos Estados Unidos. De camisetas a roupas íntimas, passando por malas, mouse pads, canetas, lenços e tudo o que se possa imaginar.
A juíza Ana Lúcia Todeschini também não tem poder para decretar o que é ou não é propaganda eleitoral. As restrições estão previstas em lei. Ela exagerou na interpretação e expressou uma opinião. Uma opinião infeliz, talvez baseada no tempo em que bandeira era para se olhar durante a execução do Hino Nacional e não para se enrolar durante um comício.
Nota pública sobre Santo Antônio das Missões e Garruchos
A Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (AJURIS), entidade de classe dos Magistrados Estaduais do Rio Grande do Sul, muitos que, por força das disposições do art. 32 do Código Eleitoral Brasileiro, exercem as funções de Juiz Eleitoral no pleito de 2022, vem a público conclamar aos partidos políticos, coligações, federações partidárias, pré-candidatos, futuros candidatos, filiados, simpatizantes, eleitores e os demais participantes da cena eleitoral a exercitar com urbanidade, fidalguia e dignidade seus direitos e deveres cívicos, reservando às esferas legais suas irresignações ou contrariedades em face de decisões e orientações pontuais da Justiça Eleitoral em cada uma das Zonas Eleitorais do Rio Grande do Sul e do país como um todo.
Nada justifica qualquer mobilização tendente a agressões e ameaças, permeadas por atitudes autoritárias e cruéis endereçadas à magistrada Ana Lúcia Todeschini Martinez, titular da ZE 141º, de Santo Antônio das Missões e Garruchos, que atingem sua vida pessoal e familiar e atentam contra sua segurança física.
A mesma reprovação vale para a indevida provocação de instâncias correicionais, as quais não se prestam para solução de orientação exarada no legítimo poder de polícia eleitoral, o que denota comprometimento ou interesse midiático, atitudes que não colaboram com a solução pacífica das demandas recebidas pela Justiça Eleitoral.
A AJURIS registra, ainda, a celeridade e presteza com a qual o TRE-RS deu a resposta jurisdicional ao tema, assim que provocado pelos meios adequados.
As decisões e orientações proferidas pelos Juízes Eleitorais podem ser livremente debatidas e contestadas, desde que em ambiente de respeito aos valores institucionais e civilizatórios.
Cláudio Luís Martinewski
Presidente da AJURIS