O final da CPI da Covid, com a disputa de beleza entre senadores, faz jus ao espírito de reality show desses seis meses de transmissões ao vivo e reprises dos melhores (ou piores) momentos em todos os telejornais. Relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) antecipou o conteúdo de seu relatório não apenas ao jornal O Estado de S.Paulo e à GloboNews, no fim de semana, mas ao Gaúcha Atualidade na quinta-feira passada. Os colegas não gostaram do que consideraram precipitação do relator e a CPI chega à véspera da leitura do relatório com Renan isolado e atritado com o presidente, Omar Aziz (PSD-AM).
O senador Alessandro Vieira (Cidadania) produziu um relatório paralelo antes do oficial, semeando ainda mais dúvidas entres os brasileiros que acompanharam o Big Brother do Senado. Advogados dos prováveis indiciados já trabalham para desqualificar as conclusões dos senadores.
Os aliados do presidente Jair Bolsonaro comemoram: quanto mais confusão na área dos oposicionistas na CPI, maiores as chances de o trabalho dar em nada. Falta consenso em relação a quais crimes atribuir a cada um dos indiciados, a começar pelo presidente, que está no topo da pirâmide.
A grande dúvida é se o relatório final conterá ou não a acusação de genocídio. Se, ao final, os enquadramentos forem desqualificados por inépcia ou precipitação dos senadores, a CPI terá saído barata para a Bolsonaro, a despeito do desgaste político que causou a revelação de seus atos e omissões.
Antes de a CPI começar, já se sabia que Bolsonaro tentou boicotar a vacina e empurrar aos brasileiros medicamentos sem eficácia. Os interrogatórios detalharam os chás de banco impostos aos executivos da Pfizer, a resistência em fechar contrato com o Instituto Butantan, a insistência do Ministério da Saúde em comprar uma vacina mais cara, a Covaxin, com a intermediação de atravessadores cujo papel vários depoentes não quiseram explicar, valendo-se do direito de ficar calados.
Só o abuso do direito de ficar calado para não se incriminar já atesta que há histórias mal contadas que deveriam merecer uma investigação técnica do Ministério Público. A CPI abriu um leque tão amplo e ouviu tantos personagens — relevantes e irrelevantes — que acabou perdendo o foco em muitos momentos. Ao espectador, restou a sensação de um enredo confuso, em que protagonistas e coadjuvantes tiveram do diretor do filme o mesmo tratamento, dificultando a identificação dos grandes vilões em meio a canastrões que vendiam o que não podiam entregar.
Que Bolsonaro será indiciado, Renan e Aziz vinham adiantando há tempos. A dúvida que ainda persiste é quais crimes serão atribuídos ao presidente — e se há como sustentar o enquadramento — e quais serão debitados na conta do ex-ministro Eduardo Pazuello, um dos mais encrencados, pelo que se sabe até aqui, até por ser quem estava no cargo nos momentos mais críticos da pandemia.
Da falta de oxigênio em Manaus às mortes na Prevent Sênior, o relatório deverá organizar em capítulos a história de um ano e meio de covid-19 no Brasil, passando por todos os elementos que dariam um bom livro de ficção mas que, infelizmente, são parte de uma história real. Nesse enredo que às vezes parece de realismo fantástico, há charlatanismo, desprezo à ciência, tentativa de corrupção, experimentos com seres humanos sem respeito à ética que norteia as pesquisas científicas e uma infinidade de delitos que entrarão para a história da peste no Brasil.
Aliás
O senador Flávio Bolsonaro definiu como “algo macabro, triste e lamentável” a CPI ter levado parentes de vítimas para depor na sessão se segunda-feira. Macabro mesmo é não respeitar a memória dos que morreram e a dor das famílias.
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