Para a história da maior catástrofe sanitária do Brasil, 24 de março será o dia em que se ultrapassou a barreira dos 300 mil mortos pelo coronavírus. Estamos cansados de dizer que a vida está além dos números, mas uma cifra dessas não pode ser tratada com a naturalidade dos dias comuns. O Brasil perdeu em um ano, para uma única doença, o equivalente à toda a população de Santa Maria e mais um pouco.
As famílias enlutadas se espalham por mais de 5 mil municípios brasileiros. No Rio Grande do Sul, são quase 20 mil vidas perdidas. As redes sociais viraram um interminável obituário, o sinal de luto substitui o as fotos sorridentes dos perfis. Sofremos por nossos amigos a cada notícia de “Fulano perdeu a luta para o vírus maldito”.
Não são apenas estatísticas. São pessoas a quem já apertamos a mão, abraçamos, convivemos, entrevistamos, admiramos. É a irmã da Marta, o pai da Marilin, o irmão da Adelaide, o tio da Rosângela, o irmão e a cunhada da Cléa, o marido da Márcia, a mãe do Renato, a vó do Gustavo, o senador, a atriz, o motorista de táxi, o policial, o enfermeiro do postão, a médica do hospital que tantas vidas salvou...
Ainda que não seja razoável imaginar medidas idênticas como o lockdown para realidades díspares em um país continental, há consensos que, se respeitados, teriam reduzido o tamanho da tragédia. Essa não é a opinião de leigos, suscetíveis aos boatos que inundam as redes sociais. É o que diz a comunidade científica. Medida simples, como evitar aglomerações, lavar as mãos, usar máscara e respeitar o distanciamento físico teriam feito diferença, se respeitadas como um compromisso coletivo com a vida.
Não foi um terremoto, que ocorre sem aviso. A situação pode ser comparada com mais propriedade a um furacão, cujo avanço pode ser monitorado, permitindo que se adotem medidas preventivas. O colapso do sistema hospitalar foi precedido de sinais consistentes de que o vírus se espalhava em velocidade alarmante e que não haveria como criar leitos em quantidade suficiente para atender tantos doentes, seja por falta de equipamentos, seja porque as equipes estão exauridas e não há no mercado intensivistas em número suficiente para contratar.
Faltou unidade nacional, respeito à ciência e estratégia. Perdeu-se tempo demais com disputas políticas, medicamentos sem eficácia comprovada, negação da ciência, desqualificação das vacinas, estímulo às aglomerações, brigas de torcidas. Um ano, quatro ministros da Saúde e 300 mil mortos e depois, o governo brasileiro anuncia a criação e um comitê de enfrentamento ao coronavírus, com a participação de representantes dos três poderes.
Aliás
Herdeiro de uma situação caótica, o médico Marcelo Queiroga assume o Ministério da Saúde no momento em que paira sobre o mapa do Brasil a ameaça de falta de oxigênio e de medicamentos para entubação. Que saiba ser o estrategista que o general Eduardo Pazuello não conseguiu ser porque se conformou com a ideia de que seu papel era apenas obedecer.