Quando se imaginava que o presidente Jair Bolsonaro já havia ultrapassado todos os limites da insensibilidade em relação à pandemia, eis que ele se supera e desrespeita as famílias dos mais de 260 mil mortos com uma frase que sintetiza o descaso com as vítimas: “Chega de frescura e mimimi. Vão ficar chorando até quando”? Choraremos até que seja possível superar o luto coletivo desta tragédia sem fim, para a qual o presidente vem contribuindo há um ano por ação e omissão.
O que sentirão as famílias e os amigos dos mais de 260 mil mortos e dos milhares que estão hospitalizados ou dos outros tantos que agonizam à espera de um leito quando o presidente da República pergunta até quando vamos chorar? Em um ano de pandemia, Bolsonaro especializou-se em dar mau exemplo, desrespeitando o distanciamento social, promovendo aglomerações, desfilando sem máscara para mostrar sua aversão aos protocolos, colocando as vacinas sob suspeita e promovendo medicamentos que, segundo os cientistas, não curam nem previnem a doença.
Quando tudo começou, preferiu ser enganado por especialistas de araque e bajuladores que diziam saber tudo de pandemia e previam duas ou três mil mortes, no máximo, a ouvir os alertas do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e de sua equipe de que não era bem assim. Com as mortes em ascensão, despachou o ministro e seus auxiliares em vez de adotar as medidas sugeridas para reduzir os danos de uma doença que se espalhava pela Europa matando milhares de pessoas.
O sucessor de Mandetta, Nelson Teich, pediu demissão um mês depois de assumir, para não comprometer sua biografia de médico respeitado. Bolsonaro acomodou no ministério um general disposto a dizer amém e assim chegamos ao primeiro aniversário do coronavírus em território brasileiro.
A coleção de frases infelizes, reveladoras da desumanidade do homem eleito com 54 milhões de votos em 2018, seria o menor dos males se ele não tivesse retardado a compra de vacinas e insistido em tratamentos sem eficácia comprovada. O início da produção de vacinas atrasou por problemas na importação do ingrediente farmacêutico ativo (IFA), debitado em parte à incompetência do Itamaraty. Somente a partir da movimentação de prefeitos e governadores e da pressão dos setores econômicos, Bolsonaro autorizou, na quarta-feira, a compra de vacinas da Pfizer e da Janssen, mas a entrega das primeiras remessas ainda vai demorar.
A declaração desta quinta-feira soou ainda mais infame porque, na véspera, o Brasil contabilizou 1.910 mortes em um dia, quebrando seu próprio recorde. Há outras formas de dizer que a economia não pode quebrar, que é preciso preservar empregos, mas uma coisa não exclui a outra. Lockdown clássico o Brasil nunca teve.
As medidas simples que o presidente despreza e que são preconizadas pelos especialistas teriam ajudado a salvar vidas e a manter a roda da economia em movimento, se tivessem sito adotadas como política nacional. Ele mesmo poderia ter estimulado os cuidados em campanhas nas redes sociais que seus discípulos preferem usar para espalhar notícias falsas e difamar a imprensa, adversários reais e inimigos imaginários.