A pedido do procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo da Camino, o Tribunal de Contas fará uma auditoria nas compras de medicamentos sem eficácia comprovada para o tratamento de pacientes com covid-19, por parte de prefeituras do Rio Grande do Sul. Na representação 001/2021, protocolada nesta terça-feira (19) e acolhida horas depois pelo conselheiro Estilac Xavier, presidente da Corte, Da Camino diz que é de conhecimento público que diversas prefeituras têm adquirido e disponibilizado medicamentos como cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, entre outros, para “suposto tratamento precoce da covid-19”.
Citando reportagens de GZH e de outros veículos de comunicação sobre a intenção de compra do “kit covid” pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, o procurador inclui casos de outros municípios que estão distribuindo os medicamentos. Diz que, “afora isso, há também notícias de aquisições com suposta prática de preços superiores aos de mercado”.
Da Camino recomenda que a auditoria leve em conta pelo menos três pontos: demonstração do respaldo técnico a embasar e motivar a decisão por efetuar aquisições, regularidade dos procedimentos licitatórios, com ênfase na adequação aos preços de mercado, ou seja, a economicidade e vantajosidade da aquisição e eventual responsabilidade do erário por danos resultantes da adoção de tratamentos cuja eficácia não tenha sido demonstrada cientificamente.
O procurador diz que é público e notório o debate sobre a eficácia de certos medicamentos, tais como cloroquina, hidroxicloroquina e azitromicina para tratamento da covid-19, com a publicação de pesquisas e artigos científicos, nacionais e internacionais. E destaca: “No levantamento efetuado, não foi possível identificar estudos que comprovassem a redução da mortalidade ou hospitalização em pacientes por covid-19 com a utilização dos fármacos”.
Em outro trecho, o procurador cita o termo de consentimento que a prefeitura de Porto Alegre exige dos pacientes, no qual devem declarar ter sido informados de que não há comprovação científica da eficácia dos medicamentos. “Parece incongruente que se exija um termo de consentimento do usuário do SUS em matéria tão controversa, a indicar que a Administração Pública não confia na eficácia e na segurança da medicação que pretende fornecer”, destaca.
Por fim, o procurador lembra que ao analisar o processo de autorização para uso emergencial de duas vacinas, a Anvisa reconheceu a inexistência de comprovação científica do tratamento precoce. E reforça: "Isso demonstra que os atos em exame – aquisição de medicamentos para tratamento precoce sem aprovação ou recomendação de autoridades sanitárias – comportam dúvidas razoáveis quanto a sua motivação e ao atendimento aos princípios que regem a Administração Pública e as políticas em saúde pública".
No entendimento do procurador, a controvérsia pode implicar responsabilização, ao menos, sob três aspectos:
- eventual arbitrariedade na decisão administrativa que não observar as diretrizes legais incidentes;
- eventual violação à eficiência, à economicidade e à vantajosidade, uma vez que a inexistência de comprovação científica compromete a validade da política pública que aloca recursos públicos sem embasamento legal;
- eventuais danos à saúde da população, especialmente quanto aos possíveis efeitos colaterais, que resultarão não apenas em indenizações, mas também, tendo que tratá-los, em maiores gastos em saúde pública.
O procurador entende que, mesmo havendo prescrição médica e o “consentimento livre e esclarecido” do paciente, o profissional de saúde do SUS atua como agente público, o que poderá resultar em responsabilização objetiva da Administração.