Vinte anos se passaram desde que o então governador Olívio Dutra (PT), atacado pelos adversários por “ter mandado a Ford embora”, fez uma espécie de profecia (sem estudos técnicos, naturalmente): “Essa empresa quer incentivos fiscais que as nossas não têm. O dia que achar que o Brasil não serve mais, vai embora e não dá nem tchau”.
Ninguém imaginava, duas décadas atrás, que o setor automobilístico enfrentaria a crise que está enfrentando no mundo, mas Olívio viveu para ver a profecia se cumprir na tarde desta segunda-feira: a Ford anunciou o encerramento da produção de veículos no Brasil.
A coluna tentou falar com o ex-governador, que está isolado em São Luiz Gonzaga, mas a ligação caiu várias vezes na caixa postal.
Não havia indícios de que a Ford estivesse instalando uma fábrica e pensando em sair duas décadas depois, mas o então governador tentava minimizar o impacto da perda, que acabaria por marcar seus quatro anos de governo. Olívio tentou renegociar o contrato com a Ford, reduzindo os incentivos oferecidos por seu antecessor, Antônio Britto, mas a empresa não aceitou. Alegou que contrato é contrato e que não aceitaria rever o que havia sido firmado com um governo e não com a pessoa física do governador. Além disso, seus executivos reclamavam da forma como eram tratados e dos “chás de banco” que levavam nas tentativas de dialogar com o governo. Por fim, a Ford recebeu recebeu uma proposta mais vantajosa da Bahia, abandonou o canteiro de obras em Guaíba e se instalou em Camaçari, gerando na Bahia empregos que faltavam no Rio Grande do Sul.
Não é por ter secado a fonte dos incentivos que a Ford decidiu deixar o Brasil. O comunicado oficial diz que a empresa está fechando suas linhas de produção no Brasil em nome de “um modelo de negócios ágil e enxuto”. Ainda não estão claras todas as razões que levam a Ford a abandonar o Brasil, mantendo suas unidades na Argentina e no Uruguai, de onde virão, importados, os principais carros que eventuais consumidores brasileiros quiserem comprar.
Impossível saber se a história seria outra se tivesse montado a fábrica em Guaíba, nas barbas da concorrente GM, em Gravataí. Certo é que a Ford não soube se reinventar e perdeu espaço para os concorrentes em geral. Perdeu para os asiáticos, cumprindo outra profecia, esta feita pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore.
Em 2006, no livro Uma Verdade Inconveniente, que virou documentário premiado com o Oscar, Gore fez previsões catastróficas para o meio ambiente, que não se confirmaram, mas advertiu que as empresas americanas perderiam espaço no mercado global para os asiáticos, especialmente os japoneses, coreanos e chineses.
O ex-vice de Clinton se referia a investimento em carros ambientalmente mais sustentáveis e com mais tecnologia embarcada.
No Brasil, a empresa vendeu 39,2% menos em 2020 do que em 2019. É fato que o ano foi ruim para o setor, mas o tombo ficou acima da média, que ficou em 28,6%.
Parte do que o governo investiu para ter a Ford, o governo conseguiu recuperar na Justiça. Quando a empresa decidiu romper o contrato, o governo Olívio foi à Justiça reivindicar a devolução do dinheiro gasto pelo Estado. A batalha judicial se encerrou em 2016, quando a montadora aceitou para pagar R$ 216 milhões para encerrar a disputa que se estendia desde o ano 2000.
ALIÁS
O fato de a Ford estar fechando as fábricas no Brasil não significa que o Rio Grande do Sul tenha saído ganhando com a transferência para a Bahia. Pelo contrário. Basta ver o que representou a GM para Gravataí para concluir que, sim, o Estado perdeu, e muito nestes 22 anos.