A proposta de reforma administrativa que o presidente Jair Bolsonaro está encaminhando ao Congresso depois de tantas idas e vindas tem potencial para corrigir distorções históricas, mas convém não tratá-la como panaceia.
Parte do que está sendo proposto já existe na legislação desde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. É o caso da demissão de servidores públicos por insuficiência de desempenho, que nunca chegou a ser aplicada por falta de regulamentação.
Três pontos merecem aplausos — e deveriam ser estendidos pelo Congresso para os atuais servidores: o fim da aposentadoria compulsória como punição para quem comete delitos, como ocorre hoje no Judiciário e no Ministério Público; o fim das férias de 60 dias, privilégio de uma casta; e o fim das parcelas indenizatórias que extrapolam o teto e fazem com que hoje os portais de transparência exibam contracheques superiores a R$ 100 mil, sobretudo no Judiciário.
A quebra da estabilidade é o ponto mais polêmico. A lei precisa proteger os servidores públicos da perseguição política, das pressões indevidas de agente econômicos (caso das licitações) e da ingerência de chefetes que nem sempre conhecem a área para a qual são promovidos. A avaliação se faz necessária não só para expurgar quem não entrega o que está no seu contrato, mas, principalmente, para estimular o aperfeiçoamento, a produtividade e a melhoria do serviço público.
Não é simples criar processos de avaliação que retratem efetivamente o desempenho de um servidor público. Por muito tempo, em diferentes carreiras, as promoções foram assentadas em dois pilares: tempo de serviço, o que não faz sentido quando se tem estabilidade, e títulos, que podem significar tudo ou nada. Tudo se o que se aprende for aplicado na qualificação do trabalho, nada se for apenas um diploma para encorpar currículo.
Formação continuada é importante em todas as áreas, para que o servidor, assim como o trabalhador do setor privado, não fique parado no tempo, mas só a apresentação de certificados de conclusão não basta em uma avaliação. A dificuldade é criar parâmetros que, de fato, reflitam o desempenho.
A reforma administrativa só será aprovada se os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, fizerem dela uma questão de honra para marcar o mandato que termina em 31 de janeiro. A campanha eleitoral que começa em 27 de setembro, combinada com a pandemia de coronavírus, deve atrapalhar o ritmo do Congresso pelo menos até o final de novembro. Em seguida vem o recesso e a desmobilização.
Um dos pontos mais relevantes da proposta é a redução dos salários de ingresso no serviço público. Tem razão o ministro Paulo Guedes quando diz que não faz sentido um jovem prestar concurso público e começar recebendo salário próximo do teto, muito superior ao que ganharia na iniciativa privada.