Nas primeiras entrevistas, o ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli da Silva, encheu o Brasil de esperança, depois de um ano e meio de confusões na que deveria ser a pasta mais importante de um país que aspire chegar ao Primeiro Mundo. Acenou com diálogo, palavra que o antecessor Abraham Weintraub parecia ignorar, e prometeu deixar de lado a ideologia, que foi a tônica em um ano e meio de governo Jair Bolsonaro.
Em menos de 24 horas, a imagem do ministro boa praça, elogiado pelos alunos e pelos colegas de academia, ruiu por uma prática deplorável, a de enfeitar o currículo com o um título que não tem, o de doutor pela Universidade de Rosário, na Argentina.
Primeiro, o reitor Franco Bortolacci, veio a público para dizer que Decotelli não obteve o título de doutor pela Universidade Nacional de Rosário.
“Nos vemos en la necessidad aclarar que Carlos Alberto Decotelli da Silva no ha obtendo en @unroficial la titulación de Doctor que que se menciona en esta comunicación", escreveu Bortolacci, em retuíte que usou como referência a publicação em que o presidente Bolsonaro anunciou a nomeação de Decotelli e resumiu seu currículo como “bacharel em Ciências Econômicas pela UERJ, Mestre pela FGV, Doutor pela Universidade de Rosário, Argentina, e Pós-Doutor pela Universidade de Wuppertal, na Alemanha”.
Confrontado com a manifestação do reitor, Decotelli explicou que concluíra os créditos do doutorado, mas não defendera a tese. O MEC divulgou cópia do certificado da Universidade de Rosário, com data de 9 de fevereiro de 2009, que diz: “Certificamos que Carlos Alberto Decotelli da Silva ha cursado la totalidad de las signaturas de la carreira de posgrado 'doctorado en Administración' dictada por la Facultad de Ciencias Económicas y Estadística de la Universidad Nacional de Rosario”.
Se tivesse parado aí, o ministro já estaria em situação delicada, mas os problemas se ampliaram com a revelação de que a tese fora rejeitada preliminarmente por três integrantes da banca e que, por isso, Decotelli voltou da Argentina sem o título de doutor. De novo, o ministro foi obrigado a reconhecer que não defendera a tese. Em nota, o MEC diz:
“Ao final do curso, apresentou uma tese de doutorado que, após avaliação preliminar pela banca designada, não teve sua defesa autorizada. Seria necessário, então, alterar a tese e submetê-la novamente à banca. Contudo, fruto de compromissos no Brasil e, principalmente, do esgotamento dos recursos financeiros pessoais, o ministro viu-se compelido a tomar a difícil decisão e regressar ao país sem o título de doutor em Administração”.
Na esteira da contestação do doutorado veio a acusação de que na dissertação de mestrado sobre o Banrisul, defendida (e aprovada) na Fundação Getulio Vargas, o ministro copiou, sem creditar, trechos inteiros de um relatório da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em português, o nome disso é plágio.
O ministro se defendeu dizendo que procurou creditar todos os pesquisadores e autores que serviram de referência e que “caso tenha cometido quaisquer omissões, estas se deveram a falhas técnicas ou metodológicas”. Informou que “ainda assim, por respeito ao direito intelectual dos autores e pesquisadores citados”, revisará seu trabalho e que, "caso sejam identificadas omissões, procurará viabilizar junto à FGV uma solução para promover as devidas correções”.
Decotelli não é o primeiro a turbinar o currículo com título fictício. A ex-presidente Dilma Rousseff pôs no currículo um título imaginário da Unicamp e teve de se retratar porque não chegara a defender a tese.
Em maio de 2019, o governador do Rio, Wilson Witzel, foi pego na mentira com uma pós-graduação em Harvard, coisa que nunca fez. A assessoria de Witzel explicou à época que o governador incluiu a informação no currículo Lattes porque tinha a intenção de estudar na universidade americana.
Por essa lógica, qualquer brasileiro poderia incluir no currículo uma passagem por Harvard, Oxford, Yale, Stanford, Sorbonne ou qualquer outra instituição de renome. Bastaria o desejo de lá estudar. Foi mais ou menos o que fez o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que se apresentava como “mestre em Direito Público pela Universidade de Yale”, mas não chegou a incorporar ao currículo, até por que a instituição não tem registro de sua passagem por lá, como confirmou o site The Intercept ao checar as credenciais usadas na identificação do ministro em artigo na Folha de S.Paulo e no programa Roda Viva da TV Cultura.
Pior ainda fez a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, que se apresentou como “mestre em Educação e Direito Constitucional da Família”. Questionada pela Folha de S.Paulo sobre onde e quando obteve o título, respondeu: “diferentemente do mestre secular, que precisa ir a uma universidade para fazer mestrado, nas igrejas cristãs é chamado de mestre todo aquele que é dedicado ao ensino bíblico”.
O professor Decotelli deve um pedido de desculpas ao Brasil para seguir adiante em seu projeto de pacificar o MEC e oferecer um plano nacional de educação. Precisa reconhecer que errou ao incluir no currículo um título que não tem. No mínimo, para não passar a mensagem errada aos mestrandos e doutorandos que se dedicam à pesquisa e levam a sério as regras do jogo.