O mesmo clichê usado por Sergio Moro à época em que o site The Intercept vazou diálogos dele com procuradores da Lava-Jato parece servir agora para seu depoimento de oito horas à Polícia Federal: a montanha pariu um rato. A síntese do depoimento, divulgada pela CNN Brasil, praticamente nada traz de novo em relação ao que o próprio Moro disse no dia em que pediu demissão. Há pouquíssimas novidades no resumo do depoimento, o que leva à pergunta que não quer calar: precisava de oito horas para isso?
Na manifestação que fez horas depois da saída de Moro, o presidente Jair Bolsonaro confirmou o que o ex-ministro dissera, usando a lógica de que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Sim, queria substituir Maurício Valeixo por um homem de sua confiança. Sim, pediu para indicar o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Sim, ele acha que tem o direito de ser informado sobre as operações da PF. Sim, se ele nomeia o ministro da Justiça, por que não pode escolher o diretor-geral da Polícia Federal?
O trecho mais reproduzido e tratado como mais comprometedor, aquele em que Bolsonaro teria dito “você tem tem 27 superintendências e eu só estou pedindo a do Rio de Janeiro”, dá margem para todo tipo de suspeita, mas, por enquanto, não configura prova de nada.
Que Bolsonaro mentiu quando disse que Valeixo pedira demissão, já estava claro. Que Moro não assinou a exoneração é tão verdade que o governo reeditou o ato ao final daquela tarde.
O dado novo no depoimento de Moro está neste trecho (as letras maiúsculas são do documento original):
“QUE a reunião foi com os Ministros Generais RAMOS, HELENO e BRAGA NETTO;
QUE o Declarante informou os motivos pelos quais não podia aceitar a substituição e também declarou que sairia do governo e seria obrigado a falar a verdade;
QUE na ocasião o Declarante falou dos pedidos do Presidente de obtenção de Relatórios de Inteligência da PF, que inclusive havia sido objeto de cobrança pelo Presidente na reunião de conselho de ministros, oportunidade na qual o Ministro HELENO afirmou que o tipo de relatório de inteligência que o Presidente queria não tinha como ser fornecido;
QUE os Ministros se comprometeram a tentar demover o Presidente,
QUE o Declarante retornou ao MJSP na esperança de a questão ser solucionada;
QUE logo depois vazou na imprensa que o Planalto substituiria VALEIXO e que, em decorrência, o Declarante sairia do governo”.
Moro invoca o testemunho de três ministros que seguem fiéis ao governo. E quando foi instado a apresentar provas, não indicou nenhuma bomba. A saber:
- o próprio depoimento;
- a troca de mensagens com o presidente, que já havia descrito (e mostrado ao Jornal Nacional);
- o histórico de pressões de Bolsonaro para trocar o superintendente do Rio, que sempre foi público;
- as declarações do pronunciamento do Bolsonaro;
- a reunião com o conselho de ministros;
- relatórios da PF e Abin repassados a Bolsonaro e aos quais ele tem acesso legalmente.
Além de responder a várias perguntas com o clássico “isso deve ser perguntado ao Senhor Presidente”, Moro também frustrou a expectativa de quem imaginava que seu celular trouxesse revelações comprometedoras. Justificou ter apenas diálogos recentes, já que teve o telefone hackeado no episódio das conversas reveladas pelo Intercept.
Se tudo o que Moro tem contra Bolsonaro é o que aparece na síntese do depoimento, o presidente pode dormir tranquilo - a menos que das pistas semeadas surjam elementos incriminadores.
Imaginava-se que, por sua experiência como juiz, Moro estivesse mais calçado para fazer as acusações que fez. Com o que apresentou, o ex-ministro acaba por dar razão a seus críticos, que na Lava-Jato questionaram o conceito de prova do procurador Deltan Dallagnol e viralizaram a máxima “eu não tenho provas, mas tenho convicção”.