A manhã nasceu dourada, como costuma ser o amanhecer de outono nesta região de quatro estações definidas. Em outros tempos, estaríamos planejando como aproveitar o sol e a temperatura amena, mas hoje, para a maioria de nós, será o quarto domingo entre quatro paredes, com no máximo uma escapadinha para esticar as pernas ou levar o cachorro a passear. Como ninguém sabe exatamente quando o pesadelo vai acabar, fazemos planos vagos para “quando tudo passar”.
A vontade é subir a serra, para ver as árvores começando a amarelar. Ou simplesmente passear na Redenção, onde em um tempo que parece remoto os porto-alegrenses iam tomar chimarrão. Mas vamos ficar em casa e a agenda de domingo tem dois compromissos intransferíveis: fazer almoço e terminar a faxina sem fim.
Desde que comecei a trabalhar em casa, em respeito ao necessário distanciamento social, escrevo um quase diário do isolamento. Digo quase, porque tem dias que termino tão exausta que não tenho ânimo para fazer a síntese do que se passo. É mais uma exaustão emocional do que física, pelo contato permanente com as notícias do país e do mundo.
Escrevo um diário porque não quero confiar apenas na memória para, no futuro, lembrar a meus filhos como foram esses dias de guerra contra a pandemia, essa palavra que frequenta meus dias e invade meus sonhos. Nos últimos dias, tenho sonhado com o pulsar das ruas, com plátanos à beira da estrada, com piqueniques ao ar livre. Não há pesadelo que dure para sempre. Este também vai passar.
Nesses dias de isolamento, não canso de reconhecer a importância de um dos ensinamentos da minha mãe, que nos obrigou a aprender coisas que considerávamos inúteis: saber não ocupa lugar. Cozinhar, lavar, passar, varrer, bordar, fazer tricô. Tudo ajuda a ocupar o tempo, ainda que me faltem horas para o artesanato. Gostaria de jogar canastra para espairecer, mas me falta companhia. Como aqui ninguém aqui gosta do meu esporte preferido, se sobrar tempo vou ler um livro, ver um filme ou fazer um bolo, para alegrar o domingo dos meus filhos.