Chegou o outono. A estação que sempre é saudada no Rio Grande do Sul como um período de temperaturas amenas, amarelar de folhas e convite à contemplação, desta vez trouxe no horizonte nuvens escuras. Infelizmente, não são nuvens de chuva, como seria o desejo de quem sofre com a estiagem. São nuvens de preocupação, porque outono e inverno são estações de aumento das doenças respiratórias, que lotam as emergências e os hospitais. Nós, que reclamamos do calor do verão, agora queremos que o frio demore para chegar.
Na consultoria que fazemos todos os dias ouvimos a psicóloga Eliana Bender, porque estamos preocupados com a saúde mental de que quem está na quarentena. Eliana nos corrigiu quando falamos em “isolamento social”. Disse que o mais correto é falar distanciamento físico, porque podemos interagir com nossos afetos pelo telefone e pelas redes sociais.
O bairro em que moro está cada dia mais silencioso. Pela manhã, depois do Gaúcha Atualidade, caminhei no Parcão, seguindo a orientação dos médicos que recomendam (ou recomendavam até aqui) o exercício físico ao ar livre. Acho que foi o último dia de caminhada , porque não há unanimidade entre os especialistas. A palavra de ordem é ficar em casa, mesmo para quem não tem sintomas, caminha sozinho e cuida para não tocar numa mísera folha de flamboyant.
O movimento de caminhantes diminuiu muito. Em um banco, dois homens tomavam chimarrão _ cada um com a sua cuia. Nenhuma criança no parquinho. Nenhum abraço. Movimento zero na banquinha que vende água mineral e água de coco.
A tarde ficou tensa com a previsão do ministro Luiz Henrique Mandetta de que ao final de abril teremos um colapso no sistema de saúde. Na entrevista coletiva, o presidente Jair Bolsonaro foi instado a mostrar o exame que teria dado negativo para coronavírus, a fim de acabar com as suspeitas que pairam no ar. A resposta de Bolsonaro não foi convicente: admitiu fazer outro exame, mas insistiu que os dois anteriores tiveram resultado negativo. O ministro Mandetta saiu em defesa do chefe e disse que o exame é da pessoa, que cabe ao paciente divulgá-lo ou não. Na internet, a hashtag #MostraOExameBolsonaro foi às alturas.
À noite, a juíza Raquel Soares Chiarelli determinou à União que forneça imediatamente ao Distrito Federal as informações requeridas sobre pacientes com sorologia positiva para a Covid-19. A suspeita de fraude teria sido eliminada se, em respeito à transparência, o presidente divulgasse o laudo, já que está cercado de pessoas infectadas por todos os lados. Bolsonaro seguiu desdenhando do vírus:
_ Depois da facada, não é uma gripezinha que vai me derrubar.
Os números do dia pesam. O Brasil se aproxima dos mil casos de covid-19, a “gripezinha”, com 11 mortes. No mundo, são 10 mil mortos. A Itália bateu um novo recorde. Foram 627 vidas perdidas em um dia. É como se caísse um A-380, maior avião de passageiros do mundo, a cada 24 horas. Ou duas tragédias como a da boate Kiss. No total, só em território italiano, já são mais mortos do que nos atentados de 11 de setembro.
No Estado e em Porto Alegre, ampliaram-se as restrições. Até padarias serão fechadas na Capital. No Litoral Norte, prefeituras montaram barricadas para impedir a entrada de quem não é morador. O pavor atropela a lei: o Ministério Público alertou que os prefeitos não podem impedir o direito de ir e vir.
Às 20h, o momento mágico do dia: nas janelas, os aplausos aos profissionais de saúde que estão na linha de frente do combate ao coronavírus. Nas minhas palmas, incluí todos os que trabalham em hospitais e postos de saúde: médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, nutricionistas, pessoal da limpeza, da cozinha, da farmácia, do transporte.Os aplausos terão de entrar na nossa rotina. O piscar de luzes na Rocinha iluminou a noite do Brasil.