Mangueira é uma palavra de múltiplos significados. Tanto pode ser o nome daquele tubo de plástico ou de borracha usado para regar plantas ou encher o tanque de combustível, como da árvore que produz manga. É, também, o nome que se dá ao cercado onde se reúne o gado para marcar, vacinar ou aplicar inseticida.
Mangueira é a árvore frondosa à sombra da qual os discípulos do presidente Jair Bolsonaro se acomodam à saída do Palácio da Alvorada para acompanhar o ritual que se tornou tradição matinal: o homem que governa o país desce do carro, tira fotos com os admiradores concentrados em um cercadinho, recebe aplausos e se dirige ao brete ao lado, onde estão confinados os repórteres.
Em tese, para uma breve entrevista, conhecida como "quebra-queixo". Na prática, o presidente usa esse espaço para atacar a imprensa que não o bajula, humilhar repórteres (mulheres, de preferência) que o incomodam e fazer piadas sem graça, que os admiradores do outro cercadinho aplaudem entusiasmados aos gritos de "mito, mito".
Nesta quarta-feira (4) o presidente mudou o roteiro e promoveu um número de circo ao pé da mangueira. Do carro preto oficial desceu um humorista fantasiado de Jair Bolsonaro, usando terno escuro e um arremedo de faixa presidencial. Carioca é o codinome de Márvio Lúcio, o comediante.
Os fãs do presidente aplaudiram a performance. Imitando a dicção de Bolsonaro, Carioca dirigiu-se aos repórteres, como mostra o vídeo da função, que durou 9 minutos e 38 segundos, e teve o titular do cargo como coadjuvante. O humorista voltou ao carro preto e de lá sacou um cacho de bananas e perguntou à plateia, em clara provocação aos jornalistas (para quem, dias atrás, o presidente mandou uma banana figurada):
— Quem quer banana? Quem quer banana?
Como os repórteres não reagiram, o humorista insistiu, com voz de Bolsonaro:
— Façam perguntas. Não querem perguntar nada? Perguntem. Ninguém vai perguntar nada?
Estava nessa quando desceu de outro carro oficial o presidente da República. Rindo, como o ator que entra no meio da cena para arrancar gargalhadas dos espectadores, serviu de escada para o Bolsonaro de mentirinha.
A palhaçada já estaria de bom tamanho, mas o presidente acho que ainda era pouco. Os repórteres, que se mantiveram silentes diante das provocações do humorista, questionaram o presidente sobre o impasse no orçamento e sobre o PIB de 2019, que cresceu 1,1%, o menor índice dos últimos três anos. Bolsonaro sugeriu que seu clone devolvesse a pergunta:
— PIB? O que é PIB? (risos). PIB é com o Paulo Guedes. Rá rá rá.
Como Bolsonaro se recusou a responder às perguntas, os jornalistas foram embora e deixaram o humorista falando sozinho.
Entre bananas, brincadeiras fora de hora e a crise global provocada pelo coronavírus, o dólar seguiu sua trajetória de alta e bateu novo recorde. Chegou a R$ 4,56, maior valor nominal da história do real. O Banco Central interveio, torrando reservas cambiais para tentar conter a moeda americana. A cotação caiu, mas pouco antes das 16h voltou a subir e bateu novo recorde: R$ 4,572.
Se a intenção era, com o espetáculo circense, desviar a atenção dos brasileiros dos problemas reais, deu errado. A cena patética não ajudará em nada na aprovação das reformas que podem mudar o humor do mercado e combater o vírus mais letal para a economia, o da desconfiança.