O jornalista Paulo Egídio colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
Provocada pelo ex-governador Pedro Simon, a reivindicação ao governo federal pela compensação das perdas com a chamada Lei Kandir encontrou eco na Assembleia Legislativa. Com simpatia entre governistas e oposicionistas, cresce a expectativa para que o governador Eduardo Leite lidere a pressão para que o Congresso Nacional aprove uma compensação financeira bilionária ao Estado e a outras 15 unidades da federação.
Nesta segunda-feira (17), um encontro de Simon com o presidente da Assembleia, Ernani Polo (PP), e os líderes do governo, Frederico Antunes (PP), e da oposição, Luiz Fernando Mainardi (PT), simbolizou o consenso na reivindicação pela indenização. O presidente estadual do PSB, Mário Bruck, e o deputado estadual Tiago Simon também participaram da reunião, no Chalé da Praça XV, em Porto Alegre, após um almoço com representantes de 11 partidos convocado por Bruck.
— Eu creio que ele (Leite) deverá aceitar. No nosso encontro, todos os partidos, inclusive os da oposição, reconheceram que esse movimento é importante e estão dispostos colaborar — disse Pedro Simon.
O entendimento comum é de que o caminho mais fácil seria a aprovação de um projeto de lei complementar do senador Wellington Fagundes (PL-MT) parado desde 2018 na Câmara dos Deputados, que prevê o percentual de restituição a cada um dos Estados exportadores.
Caso o texto seja aprovado, o Rio Grande do Sul teria direito a receber cerca de R$ 3,9 bilhões por ano do governo federal — o que seria suficiente para cobrir cerca de três quartos do déficit previsto para 2020, que é de R$ 5,2 bilhões.
Ao todo, a proposta determina que a União desembolse R$ 39 bilhões por ano, sem indicar a fonte da receita, o que aumentaria em um terço o rombo nas contas federais, previsto para R$ 124 bilhões em 2020.
Para que o movimento tenha sucesso, os políticos tentam convencer o governador Eduardo Leite a articular, em Brasília, a aprovação da proposta. Para isso, no entanto, Leite terá de adaptar o discurso. No ano passado, durante a tramitação do pacote do funcionalismo na Assembleia , o governador elencou a recuperação de perdas com a Lei Kandir como um dos mitos citados como alternativa ao ajuste nas despesas com pessoal e com a previdência.
“Um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU), de agosto de 2019, defende que não cabem mais repasses aos Estados. Da Lei Kandir, o Estado vinha recebendo até 2018 cerca de R$ 117 milhões anuais. Em 2019, nenhum repasse foi feito e não há previsão pela União de ocorrerem outros. O governo gaúcho participa da mediação nacional com o Supremo Tribunal Federal (STF), mas não há perspectiva de indenização bilionária”, dizia um dos textos entregue aos deputados da base aliada.
— O governador mencionou isso como um mito porque está há bastante tempo na pauta, mas nunca desfez dessa possibilidade. Estamos levando a ele uma sugestão, para que encabece esse assunto — afirmou Antunes, que, no encontro, representou o presidente do PP, Celso Bernardi.
Para Mainardi, Leite deve liderar uma frente com outros governadores e ajudar a mobilizar prefeitos e vereadores para fazer pressão no Congresso:
— O maior interessado tem que ser o governador. Ele é quem tem que assumir a linha de frente. Se não fizer isso, fica muito difícil.
Representando a bancada do MDB, Tiago Simon disse que o partido está "absolutamente fechado" com o pleito. Ele apontou que a postura de independência do Congresso ao governo federal deve ajudar no convencimento dos deputados federais:
—Certamente o governador saberá liderar esse processo. Precisamos definir uma estratégia e engajar os políticos e a sociedade — indica o deputado.
À coluna, Leite disse que o Estado mantém a disposição de lutar por eventuais receitas advindas da restituição, mas disse que expectativa pela indenização não pode inviabilizar futuras reformas.
— Todo o debate sobre a Lei Kandir é bastante importante para o Estado e estaremos presentes nessas discussões. Mas seguiremos não deixando, em nenhum momento, de fazer o nosso tema de casa, como as recentes reformas realizadas.
Uma pré-agenda entre o governador e os representantes dos partidos foi marcada para o dia 9 de março, no Palácio Piratini.
O que é a Lei Kandir
Aprovada em 1996, a Lei Kandir isenta de ICMS a exportação de produtos não industrializados. A legislação foi elaborada pelo então ministro do Planejamento, Antonio Kandir, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
O mecanismo garantiu aos Estados o repasse de valores a título de compensação pelas perdas decorrentes da isenção de ICMS até 2003, mas, a partir de 2004, com a aprovação de uma lei complementar, não há previsão legal do valor a ser restituído.
Até 2018, a União destinava ao Rio Grande do Sul cerca de R$ 117 milhões anuais, mas a verba deixou de ser repassada no início de 2019.
No final de 2016, ao julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, a ADO 25/16, de iniciativa do Pará, à qual o governo gaúcho se somou em 2014, durante a administração Tarso Genro, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o Congresso Nacional deveria estabelecer, no prazo de 12 meses, o valor do ressarcimento devido aos Estados. Posteriormente, o prazo foi sucessivamente renovado. No ano passado, o ministro Gilmar Mendes determinou o dia 21 de fevereiro deste ano como data-limite.
Antes disso, em 2018, o senador Wellington Fagundes apresentou projeto de lei complementar para regulamentar os percentuais do repasse. Ele foi relator de uma comissão mista de senadores e deputados formada para discutir o tema.
No ano passado, durante as negociações para a aprovação do pacote do funcionalismo, o governo do Estado sustentou que não caberiam mais repasses aos estados. A argumentação estava baseada em um estudo do Tribunal de Contas da União (TCU) de agosto de 2019 remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF).