“Acionando motores em Las Palmas, depois de quatro horas de solo. Partiu Fortaleza” , escreveu-me o piloto Mauro Hart, gaúcho nascido em Venâncio Aires, às 20h04min de sábado, quando o Embraer 195 em que ele e outras 33 pessoas foram resgatadas de Wuhan pelo governo brasileiro. Fiquei a imaginar a emoção do piloto que desde o fechamento da cidade, capital da província de Hubei, virou uma espécie de correspondente na cidade fantasma.
Falar em cidade fantasma quando se trata de uma metrópole pulsante de quase 12 milhões de almas é estranho para mim que lá estive em 2004 e em 2013. Mas é assim que Wuhan vinha sendo descrita por Mauro desde o nosso primeiro contato, em 23 de janeiro, dia em que o aeroporto foi fechado e ele entrou em quarentena. Em princípio, deveria voltar ao trabalho dia 20 de fevereiro, “se tudo der certo”.
Não deu. Diante do crescimento do número de casos confirmados e das mortes que já passam de 800, não há previsão de quando a vida voltará ao normal, nem de quando será reaberto o aeroporto, que só opera para voos humanitários de retirada de estrangeiros pelos seus países.
Mauro conversou com o programa Gaúcha Atualidade um dia depois de fazer seu último voo antes da quarentena. Tinha ido de Pequim a Wuhan e retornado com apenas três passageiros. Ele e os colegas de trabalho já usavam máscaras para se proteger.
Treinado para enfrentar situações adversas, o piloto estocou comida e se preparou para os dias de isolamento. Dias depois resolveu sair para dar uma volta e se chocou ao deparar com o parque em que caminhava completamente vazio e várias prateleiras vazias no mercado em que comprava comida.
Pelas mensagens seguintes, era perceptível que começava a ficar preocupado e a se alarmar com a resistência do governo brasileiro em seguir o exemplo de outros países e retirar de Wuhan os cidadãos que desejavam sair.
A cobrança da imprensa e dos presidentes da Câmara e e do Senado aumentou e o presidente Jair Bolsonaro decidiu resgatar os brasileiros. A operação terminou com final feliz pouco depois das 6h da manhã deste domingo, quando os dois aviões que foram à China pousaram na base aérea de Anápolis, em Goiás, depois de três dias desde a decolagem em Wuhan, com escalas na Polônia, nas Ilhas Canárias e em Fortaleza.
Nesse processo, veio à tona o melhor e o pior dos brasileiros. O melhor, a solidariedade e a empatia com os irmãos em apuros. O pior, a mesquinhez, com críticas ao governo pelo risco de que algum dos repatriados esteja contaminado com o coronavírus, ainda que nenhum apresente os sintomas. Todos ficarão em quarentena pelos próximos dias, até que passe o período de incubação do vírus.
Fez muito bem o presidente Bolsonaro ao ignorar os críticos da decisão de trazer os brasileiros. Foram corretos os militares das Forças Armadas que participaram da operação. E foi muito digno o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, ao aceitar receber o grupo em Anápolis e responder com voz forte ao empresário que criticou sua decisão.
Ao Mauro, sugeri que escreva um livro contando esses dias de isolamento na cidade em que vive há cinco anos, como piloto de uma empresa aérea chinesa. Ele já tem outro, Piloto Expatriado, em que narra, por exemplo, o pesadelo da Sars, quando trabalhava para uma companhia de Taiwan.
Por mensagem, enviada às 7h56min, o piloto demonstrou alívio: “Já estou na base aérea, muito bem acomodado, 18 dias vai ser tranquilo”.
Sejam bem-vindos ao Brasil, brasileiros que foram à China para estudar ou trabalhar. Esta é sua terra.