Há algo de estranho e preocupante na denúncia contra o jornalista Glenn Greenwald, formalizada nesta terça-feira (21) pelo Ministério Público Federal (MPF) sob acusação de orientar os hackers que invadiram celulares de autoridades ligadas à Operação Lava-Jato.
Sem uma investigação que sustente a acusação de que Glenn tem responsabilidade na invasão do aplicativo Telegram de figuras como o ministro Sergio Moro, a denúncia soa como abuso de autoridade, corporativismo, censura à imprensa e tentativa de calar um veículo que publicou os diálogos comprometedores.
O caso de Glenn Greenwald é intrigante porque, embora tenha sido o primeiro a publicar as informações, o jornalista não chegou a ser indiciado. Relatório da Polícia Federal que em 2019 analisou o diálogo agora citado como prova o inocenta. “Não é possível identificar a participação moral e material do jornalista Glenn Greenwald nos crimes investigados”, diz um trecho do documento. A PF registra que Glenn teve “postura cuidadosa e distante em relação à execução das invasões”.
A ex-deputada Manuela D’Ávila assumiu que foi ela a ponte entre o hacker e o fundador do site The Intercept Brasil, que publicou as conversas comprometedoras do então juiz Sergio Moro e de procuradores do MPF. Como o jornalista se recusa a revelar a fonte de suas informações – um direito sagrado nas democracias – o procurador Wellington Divino Marques de Oliveira resolveu denunciá-lo, numa afronta à liberdade de imprensa. Se o que o procurador fez não é abuso de autoridade, o que será?
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou nota de repúdio à ação do Ministério Público Federal. Na interpretação da Abraji, a denúncia viola a liberdade de imprensa. A entidade sustenta que os diálogos apresentados como provas não confirmam as acusações do procurador.
É fato que numa das conversas o hacker Luiz Henrique Molição pergunta a Glenn se deve quebrar o sigilo de outras autoridades, ao que o americano responde em seu português arrevesado: “É difícil porque eu não posso te dar conselho, mas eu eu eu eu tenho a obrigação para proteger meu fonte e essa obrigação é uma obrigação pra mim que é muito séria, muito grave, e nós vamos fazer tudo para fazer isso, entendeu?”
Em agosto do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, proibiu que Glenn fosse investigado pelas mensagens. O ministro invocou à garantia constitucional de proteção do sigilo da fonte jornalística.
O procurador Wellington Oliveira disse que não descumpriu a decisão de Gilmar, já que não investigou o jornalista. Ainda assim, incluiu-o na denúncia pela suposta prática de organização criminosa.