Os ecos de 2013, com a frase "não é pelos 20 centavos", ainda ressoavam nos ouvidos dos prefeitos das capitais e cidades mais populosas do Brasil, preocupados com o próximo reajuste da tarifa de ônibus, quando estouraram os protestos no Chile contra o aumento da passagem de metrô. Acendeu-se a luz vermelha, porque janeiro e fevereiro são os meses em que a maioria das cidades reajusta as tarifas do transporte coletivo.
Em 2013, o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), alertou a presidente Dilma Rousseff para a necessidade de o governo federal conceder algum tipo de subsídio para reduzir o impacto da elevação da tarifa no bolso dos usuários. A equipe econômica disse não e cada prefeitura aplicou a correção indicada nas planilhas das empresas.
Em diferentes cidades começaram a pipocar protestos, com demandas e bandeiras difusas. Já não era pelos 20 centavos (valor acrescido à tarifa em São Paulo), mas contra "tudo o que está aí". Jovens sem vinculação a partidos políticos foram às ruas expressar seu descontentamento com alguma coisa — e os radicais com máscaras no rosto se misturaram à multidão para promover atos violentos.
Esse fantasma persegue os gestores municipais desde então, embora os últimos reajustes tenham sido absorvidos com relativa facilidade. Para reduzir o impacto, a prefeitura de Porto Alegre, por exemplo, reduziu as isenções e fez concessões às empresas.
— Temos de nos antecipar e tomar medidas para que isto aqui não vire um Chile —alerta o prefeito Nelson Marchezan, que fez um périplo por Brasília tentando convencer as autoridades de que, sem subsídio do governo federal, o sistema público de transporte vai quebrar, prejudicando os mais pobres.
Em encontro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e com duas dezenas de parlamentares da Frente do Transporte Coletivo, Marchezan mostrou os números e alertou para o risco de convulsão.
Além do componente político, já que 2020 é ano eleitoral, a preocupação é de ordem financeira: com o aumento dos insumos queda generalizada no número de passageiros, em parte pelo crescimento do transporte por aplicativo, as empresas vão pleitear aumento bem superior à inflação.
Além de conversar com deputados, Marchezan esteve no gabinete do vice-presidente Hamilton Mourão, alertando para a necessidade de o governo federal subsidiar o transporte coletivo. O prefeito apresentou tabela mostrando que nas principais cidades da Europa e a tarifa tem subsídios dos governos.
Cenário do transporte público
Dados apresentados pelo prefeito Nelson Marchezan às autoridades em Brasília para justificar a defesa do subsídio:
- 80% da população brasileira vive em áreas urbanas;
- 50 milhões dependem diariamente do transporte público;
- 86% desse total se desloca por ônibus (43 milhões);
- Número de passageiros caiu 12,5 milhões entre 2018 e 2019;
- Nos últimos quatro anos, a queda no número de passageiros chegou a 25%;
- Diesel teve aumento de mais de 10% entre janeiro e outubro;
- Aumento da informalidade reduz a oferta de vale-transporte;
- Custos recaem sobre os mais pobres;
- Licitações: várias estão dando desertas;
- 56 empresas de ônibus quebraram no Brasil entre 2014 e 2016 (10% do total);
- O país tem 1,1 milhão de motoristas de aplicativos cadastrados;
- Em São José dos Campos, a receita dos aplicativos já é igual à das empresas de transporte público;
- Porto Alegre tem 3,8 mil táxis e 25 mil motoristas de aplicativos cadastrados.
O que pedem os prefeitos
Os prefeitos e deputados comprometidos com a causa do transporte coletivo defendem um conjunto de propostas para reduzir o impacto do aumento da passagem para o usuário. Confira as principais:
- Isenção de ICMS para o transporte público;
- Subvenção do diesel para os ônibus, com recursos do Tesouro Nacional;
- Custeio da isenção para idosos pelo Fundo do Idoso e para estudantes pelo Fundo Nacional da Educação;
- Aumento da Cide incidente sobre o preço da gasolina para o fundo de custeio do transporte público;
- Taxação dos aplicativos, em nível federal, para subsidiar o transporte público.
- Obrigatoriedade de realização de licitação em todos os municípios para concessão do transporte público coletivo
- Transparência absoluta na forma de composição do valor da passagem
Marchezan pressiona pela integração
Prevendo a falência do transporte coletivo ante o avanço dos aplicativos e uma forte "convulsão social" pela próxima alta das tarifas de ônibus em todo o Brasil, o prefeito Nelson Marchezan convocou nesta quinta-feira (21) com representantes de empresas privadas e órgãos responsáveis pelos serviços de ônibus urbano em Porto Alegre. Marchezan pediu um plano de integração dos sistemas da Capital e da Região Metropolitana.
— A pauta é elevar a qualidade desse serviço ao cidadão. Ou os envolvidos me dizem o que fazer, por que fazer e como fazer por melhores resultados, ou eu vou fazer do meu jeito, por medidas judiciais, legais ou administrativas — avisou o prefeito.
Na próxima semana, o corpo técnico convocado por Marchezan deve apresentar suas sugestões.
O aumento do custo do diesel, além do avanço significativo dos aplicativos — que retirou usuários pagantes do sistema de transporte público —, demonstram a falência do sistema de transporte coletivo, segundo o prefeito.
— Não temos 4 mil táxis, mas temos 25 mil licenciados para aplicativos. O futuro disso vai estourar na passagem, no bolso do cidadão — alertou.