Já era madrugada na Arábia Saudita quando o presidente Jair Bolsonaro resolveu trocar o pijama pelo terno e gravata e fazer uma transmissão ao vivo para responder às novas revelações sobre o inquérito que apura a execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Pouco antes, o Jornal Nacional noticiara que, no dia em que Marielle foi assassinada, o ex-PM Élcio de Queiroz, suspeito de cometer o crime, esteve no condomínio em que Bolsonaro mora, na Barra da Tijuca. Conforme depoimento do porteiro que estava de serviço naquela tarde, segundo o inquérito, o motorista disse que ia na casa 58, de Bolsonaro. Pelo interfone, o porteiro teria falado com um homem que identificou como sendo Jair e autorizou a entrada, mas o carro foi para outra casa, a 66, de propriedade do ex-PM Ronnie Lessa, também acusado pela prática do crime.
Embora o JN tenha deixado claro que nesse dia Bolsonaro estava em Brasília e deu presença na sessão da Câmara no final da tarde, o presidente acusou a Rede Globo de insinuar que ele estaria envolvido na execução de Marielle, a quem chamou várias vezes de Mariela.
No vídeo de 23 minutos de duração, Bolsonaro dirige sua ira à Globo e ao governador Wilson Witzel, ex-aliado agora transformado em inimigo porque expressou o desejo de concorrer a presidente em 2022. Diz que a Globo está contra ele porque "perdeu a teta" das verbas publicitárias do governo.
Como o inquérito corre em segredo de Justiça, acusou Witzel de ter vazado para a Globo informações sobre o depoimento do porteiro e as planilhas de entrada de visitantes no condomínio da Barra.
Além de chamar a matéria da Globo de "porca" e de usar mais de uma vez a palavra canalha, Bolsonaro reclamou de outras reportagens envolvendo os filhos, especialmente o primogênito Flavio, investigado por movimentações financeiras atípicas. Criticou a Globo por reportagens que mostraram a contratação de funcionários fantasmas nos gabinetes dele e dos filhos.
— É o orgasmo da TV Globo ver um filho meu preso? — perguntou em um dos momentos de maior exaltação.
Mais de uma vez, voltou a insinuar que poderá não renovar a concessão da TV Globo, em 2022, como fizera no início da semana. Reclamou do que a reportagem do Jornal Nacional continha e do que imaginou nas entrelinhas: que ao ressaltar sua presença em Brasília naquele dia, e dizer que o porteiro conversou com um homem na casa 58, a Globo estaria insinuando que sua mulher estava com visita.
O fato de Lessa morar no mesmo condomínio vinha sendo tratado até aqui como coincidência. A revelação do depoimento do porteiro traz um elemento novo para a história de um crime de repercussão internacional. A polícia considera esclarecida a autoria, mas ainda não identificou o mandante.
A pergunta mais repetida após a notícia ir ao ar não poderia ser outra: se Jair Bolsonaro estava em Brasília, quem atendeu ao interfone e autorizou a entrada do Logan em que estava Élcio de Queiroz?
Antecipando-se a eventuais questionamentos, o vereador Carlos Bolsonaro escreveu em seu perfil no Twitter que na tarde de 14 de março de 2018 estava na Câmara de Vereadores do Rio (onde era colega de Marielle) e participou de votações.