O antigo sonho dos deputados estaduais de destinar uma parte do orçamento a seus redutos eleitorais, como já fazem os colegas da Câmara Federal e os senadores, vai se realizar pelas mãos do governador Eduardo Leite. Já no orçamento de 2020, cada deputado terá R$ 1 milhão para destinar a projetos de sua preferência.
O compromisso do Piratini é liberar a emenda, seguindo o caminho adotado recentemente na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, que aprovou a novidade à revelia do prefeito Nelson Marchezan.
Como Leite está em Singapura, coube ao governador em exercício, Ranolfo Vieira Júnior, entregar a proposta e anunciar a novidade das emendas impositivas. Embaladas pelo governo como uma demonstração de respeito ao Legislativo, as emendas são mais um diferencial competitivo para quem já tem mandato.
Na hora da campanha, os candidatos à reeleição poderão apresentar-se como responsáveis por obras executadas com dinheiro público. Como disse Ranolfo, pode ser "um conserto de uma escola, ambulância, hospital, viatura".
Triste Estado este em que, na falta de uma política global para manter os prédios das escolas em boas condições, ganham aquelas que tiverem a sorte de estar localizadas no curral eleitoral de um deputado. Azar das regiões que pulverizaram seu voto e não têm um deputado para chamar de seu.
A experiência das emendas federais oferece mais um motivo para apreensão. Quem não lembra dos deputados que destinaram para outros Estados parte do dinheiro a que teriam direito, sabe-se lá em nome de que interesses?
Um ex-deputado federal que é radicalmente contra as emendas conta que, mais de uma vez, fornecedores de produtos e serviços lhe ofereceram dinheiro para a campanha, a título de retribuição.
O Piratini contesta a ideia de fisiologismo com o argumento de que todos vão receber o mesmo valor — do mais aguerrido defensor do governo ao mais ferrenho opositor.
A secretária do Planejamento, Leany Lemos, defende as emendas e invoca o exemplo dos Estados Unidos, onde o orçamento é todo feito pelo Legislativo. E questiona:
— O papel da representação também não é levar a política na ponta? Atender a comunidade? Uma reforma de escola, esgoto sanitário, uma calçada no bairro? A gente às vezes perde essa referência por causa do fisiologismo e da corrupção que podem existir, mas não necessariamente existem.
Leany lembra que, quando trabalhou com Darcy Ribeiro, o então senador apresentou uma emenda para reflorestamento da Mata Atlântica. E que o ex-senador Roberto Freire fez um centro de telemedicina em Pernambuco nos anos 1990.
—Sempre me intrigou nos colegas tecnocratas desprezar a política como forma de comunicação entre Estado e cidadãos — completa.
A iniciativa de liberar emendas foi criticada nas bancadas do MDB, do PT, do Psol e do Novo, mas apenas os deputados do Novo se comprometeram a abrir mão do milhão a que terão direito, por entenderem que, além de imoral e antirrepublicano, o mecanismo estimula a compra de votos.
— Foi uma decisão unânime da nossa bancada. Entendemos que isso não resolve o problema do Estado, que ainda vive com déficit e grandes gargalos para resolver — diz o líder do MDB, Fábio Branco.
A bancada do PT, por sua vez, lançou nota afirmando que o mecanismo "subordina a atuação do parlamento gaúcho"
"Além disso, o governo Leite cria um mecanismo de chantagem permanente com o Legislativo, pois poderá condicionar a execução das emendas parlamentares ao comportamento dos parlamentares", diz trecho do comunicado, assinado pelo líder da bancada, Luiz Fernando Mainardi.
Alguns deputados discutem a possibilidade de apresentar uma emenda à Lei Orçamentária para derrubar a iniciativa. Caso seja mantida, a bancada vai definir se aceita ou não a sua parte.
Cursinho
Nos próximos dias, o governo dará um cursinho de elaboração de emendas aos assessores de deputados. Cada um poderá apresentar até 10 emendas ao orçamento, com valor mínimo de R$ 50 mil, até o limite de R$ 1 milhão.