A oposição terá se esforçar muito para concorrer em igualdade de condições com ministros e aliados do presidente Jair Bolsonaro na tarefa de atrapalhar o governo. Desde 1º de janeiro, todos os problemas enfrentados pelo governo têm sido criados em sua própria trincheira, ora pelos filhos desgovernados, ora pelos ministros, ora por integrantes da base aliada, ora por companheiros do PSL. A oposição discursa, discursa, mas ninguém consegue prestar atenção.
A trapalhada mais recente foi a protagonizada pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, que, em bom portunhol, teve de reconhecer que cometeu um erro e voltou atrás na sugestão para que professores lessem para os alunos um texto com menção ao slogan da campanha de Bolsonaro (Brasil acima de tudo, Deus acima de todos) e que filmassem as crianças cantando o Hino Nacional:
— Percebi o erro, tirei essa frase, tirei a parte correspondente a filmar crianças sem autorização dos pais. Evidentemente se alguma coisa for publicada será dentro da lei, com autorização dos pais — disse ao chegar ao Senado, onde participa de uma audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte.
Cantar o Hino Nacional uma vez por semana nas escolas já é lei desde 2009. Foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo vice-presidente José Alencar, à época no exercício da Presidência, e pelo então ministro da Educação, Fernando Haddad. Não há nada de errado em cantar o Hino Nacional nem em estudar os símbolos da Pátria. O problema do ministro foi ter atropelado a lei. Acabou levando um pito da deputada Janaína Paschoal (PSL), que mandou Vélez Rodriguez contratar um assessor jurídico. Em seu perfil no Twitter, a deputada estadual mais votada de São Paulo aconselhou: "Ministro, contrate urgentemente um assessor jurídico, especialista em ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Não se pode sair filmando as crianças (isso vale para os amantes de face, insta, etc). Ademais, primeiro realize algo concreto e os elogios virão naturalmente".
— É contra a legislação. Você não pode colocar uma mensagem que não é de propaganda governamental a algo que seja ligado à propaganda — disse Mourão em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha.
Naturalmente, o vice nada tem contra a recomendação para que as crianças cantem o Hino, mas identificou a barbeiragem na citação do slogan de campanha no texto enviado pelo ministro às escolas na segunda-feira (25) e reescrito nesta terça-feira (26) depois do reconhecimento do erro.
A lista de problemas causados pela família do presidente e por aliados próximos é longa. Quatro exemplos:
1. O filho mais velho do presidente, Flavio Bolsonaro, ainda não explicou os depósitos em dinheiro feitos em um caixa eletrônico dentro da Assembleia Legislativa do Rio, nem a movimentação atípica de seu ex-motorista Fabrício Queiroz, cuja investigação tentou frear no Supremo, invocando o foro privilegiado. O mesmo Flavio contratou parentes de milicianos para trabalhar em seu gabinete quando era deputado.
2. O então ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, caiu depois de ser chamado de mentiroso nas redes sociais por outro filho, o vereador Carlos Bolsonaro. Na origem do desgaste, a denúncia de que Bebianno liberou dinheiro do fundo eleitoral para candidatas laranjas do PSL. Demitido, Bebianno divulgou áudios de conversas com Jair Bolsonaro para provar que não mentiu quando disse que falara três vezes com o presidente.
3. Acusado de envolvimento no esquema de repasse de dinheiro a candidatas laranjas, em Minas Gerais, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, recorreu ao Supremo para tentar frear a investigação e recorreu a Justiça para tentar retirar do ar reportagens da Folha de S.Paulo sobre o episódio. A liminar foi negada.
4. A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, tem sido pródiga em declarações infelizes, que acabam expondo o governo. Vídeos antigos mostram que a ministra faz manifestações sem pé nem cabeça, como uma em que falou sobre suposta masturbação de bebês na Holanda.