O Ministério da Educação (MEC) enviou uma recomendação por e-mail para as escolas públicas e privadas de todo o Brasil pedindo que, no primeiro dia de aula, os estudantes ouçam uma carta escrita pelo ministro do órgão, Ricardo Vélez Rodríguez, fiquem perfilados para cantar o Hino Nacional e que este momento seja filmado para ser enviado posteriormente ao ministério.
No Rio Grande do Sul, a maioria das escolas já iniciou o ano letivo. Grande parte dos colégios privados começou as atividades em meados de fevereiro. Na rede estadual, as aulas foram retomadas no dia 26 último. Apenas parte das municipais da Capital ainda não iniciou as aulas, o que deve ocorrer em 15 de março.
A carta assinada por Vélez termina com o slogan da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PSL): “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos” — o slogan oficial da gestão é "Pátria Amada Brasil".
“Brasileiros! Vamos saudar o Brasil dos novos tempos e celebrar a educação responsável e de qualidade a ser desenvolvida na nossa escola pelos professores, em benefício de vocês, alunos, que constituem a nova geração. Brasil acima de tudo. Deus acima de todos!”, diz o documento.
O e-mail solicita, a seguir, que o Hino Nacional seja executado e que os alunos fiquem perfilados diante da bandeira nacional, onde houver, e que a ação seja filmada. Posteriormente, o vídeo (de até 25 MB) registrando uma parte da ação deve ser enviada ao ministério. Segundo comunicado oficial do MEC, publicado em seu portal às 18h7min desta segunda (25), a atividade faz “parte da política de incentivo à valorização dos símbolos nacionais”.
Repercussão
O Cpers/Sindicato considera que a recomendação trata-se de “desrespeito” e que soa “como uma distopia digna das piores ficções”. Além disso, frisa que o governo está misturando “a coisa pública com política partidária e idolatria".
— É uma incoerência vinda de quem diz querer combater uma suposta doutrinação nas escolas. A escola deve ser o espaço privilegiado da cidadania, do espírito crítico e dos valores democráticos — acredita Helenir Schürer, presidente do Cpers.
O Sinpro/RS (Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS) considera a ação "esdrúxula". Cássio Bessa, diretor do sindicato, disse que a proposta é “absurda”, lembrou que o governo desqualificou a aposentadoria especial dos professores na semana passada na proposta de reforma da Previdência e, por isso, vê uma inversão nas ações:
— É um disparate. Um país que congela investimentos na área e que faz isso não ajuda em nada. É uma inversão achando que o patriotismo vai salvar a educação.
Osvino Toillier, vice-presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), frisa que o Ministério da Educação não pode interferir na autonomia das escolas particulares e na sua liberdade de ensinar. Segundo ele, a preocupação da escola tem de ser com a vivência dos valores:
— É legítimo que sugira ações que poderão ser aceitas ou não, mas não pode exigir. A vivência dos valores cívicos está presente na escola, independente da sua natureza e do seu projeto pedagógico. Ensinar os alunos a cantar o Hino Nacional, por exemplo, já faz parte das atividades das instituições, mas cabe a elas decidir quando e como desenvolver essa atividade.
Contatada pela reportagem na segunda-feira (25), a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) declarou que desconhecia o teor da mensagem. Já nesta terça-feira (26), informou que entende que a vivência dos valores cívicos é importante no ambiente escolar, porém cabe às instituições de ensino definir como essas atividades serão desenvolvidas e quando isso deve ocorrer. "Nosso sistema de educação necessita de um olhar prioritário para questões importantes como a qualidade do ensino, a formação dos professores, a aprendizagem do aluno e a definição de diretrizes na área", informa a nota.
O MEC não deu retorno à reportagem de GaúchaZH sobre o que será feito com os vídeos filmados pelas escolas e se alguma instituição tinha enviado algum material até o final desta segunda-feira. “Antes de qualquer divulgação, será solicitada autorização legal da pessoa filmada ou de seu responsável”, disse o órgão em nota oficial.