Com a sinceridade que se tornou sua marca antes mesmo de assumir como vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão expressou o que muitos brasileiros comuns pensam da estranha movimentação financeira de Fabrício Queiroz, ex-motorista do deputado estadual e senador eleito pelo Rio Flavio Bolsonaro: faltam explicações.
— O ex-motorista, que conheço como Queiroz, precisa dizer de onde saiu este dinheiro. O Coaf rastreia tudo. Algo tem, aí precisa explicar a transação, tem que dizer — afirmou Mourão em entrevista à jornalista Andréia Sadi.
Quem primeiro precisa explicar como movimentou R$ 1,2 milhão no intervalo de um ano é o motorista Queiroz, que caiu na malha fina do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) porque o banco considerou as transações "incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional e a capacidade financeira" do ex-assessor.
O motorista, que pediu exoneração em outubro passado, não precisa explicar somente as entradas de dinheiro: tem de justificar as saídas, incluindo os R$ 24 mil que foram para conta de Michelle.
Jair Bolsonaro deu uma explicação que só convence os seus apaixonados discípulos. O dinheiro — R$ 40 mil, e não os R$ 24 mil revelados pelo Coaf — seria pagamento de um empréstimo feito por ele ao motorista, de quem é amigo desde 1984. Primeira pergunta que não quer calar: por que Bolsonaro pai, deputado federal, emprestou R$ 40 mil ao motorista e segurança de um filho deputado estadual no Rio de Janeiro, que movimentou R$ 1,2 milhão em um ano na sua conta corrente?
Segunda explicação que não para em pé é o motivo de o dinheiro ter ido para a conta de Michelle, e não dele: falta de tempo para ir ao banco. Com tantos assessores em seu gabinete, e agência bancária dentro da Câmara, é preciso muita imaginação para se convencer com a explicação. E por que na conta de Michelle? Para despistar um possível rastreamento do dinheiro? Na declaração de renda de Bolsonaro, o suposto empréstimo não foi declarado.
— Se errei, arco com minha responsabilidade perante o fisco — disse o presidente eleito.
Flavio Bolsonaro, agora senador eleito, diz que ouviu explicações plausíveis de seu ex-motorista sobre a movimentação bancária suspeita, mas não quis revelar quais foram antes da apresentação, pelo próprio Queiroz, ao Ministério Público.
Há outros pontos que precisam ser melhor explicados. O motorista recebeu depósitos em espécie ou por meio de transferências de oito funcionários que já foram ou estão lotados no gabinete de Flavio Bolsonaro na Alerj, segundo relatório do Coaf referente ao período de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. Esse período abrange a campanha de Flavio para a prefeitura do Rio.
Reportagem do jornal O Globo mostra que Nathalia Melo de Queiroz, uma das filhas do motorista, lotada no gabinete de Flávio até dezembro de 2016, fez depósitos na conta do pai que totalizaram R$ 84.110,04 e transferiu mais R$ 2.319,31. Já a mulher de Queiroz, Marcia Oliveira de Aguiar, depositou R$ 18.864, e transferiu outros R$ 18,3 mil.
O documento do Coaf foi anexado pelo Ministério Público Federal à investigação que deu origem à Operação Furna da Onça, realizada no mês passado e que levou à prisão dez deputados estaduais do Rio.