Os 57,7 milhões de votos conquistados por Jair Bolsonaro neste domingo expressam, de forma inequívoca, o desejo da maioria dos brasileiros de uma mudança radical. Os eleitores disseram não ao PT, mas não deram um cheque em branco como imaginavam os aliados de Bolsonaro, que esperavam um percentual na faixa dos 70%. O Nordeste, que votou majoritariamente em Fernando Haddad, puxou a média para baixo e Bolsonaro venceu por 55,18% a 44,82%.
A partir de 1º de janeiro, Bolsonaro vai governar um país dividido. Seu primeiro desafio será reunificar essa nação marcada por uma campanha eleitoral tumultuada, em que ele foi vítima de um atentado sem precedentes. Na primeira manifestação após a confirmação da vitória, o presidente eleito agradeceu a Deus e aos médicos por ter sobrevivido, traçou as linhas gerais do que será seu governo, prometeu liberdade, desburocratização e respeito à federação.
O repórter Paulo Renato Soares, da Rede Globo, o questionou sobre a divisão do país.
– Não sou Caxias, mas sigo o exemplo desse grande brasileiro – respondeu, referindo-se a Duque de Caxias, patrono do Exército.
Não é possível precisar o momento em que Bolsonaro passou de candidato que os líderes dos partidos tradicionais desprezavam a favorito para conquistar a faixa presidencial. Poderia ter sido no dia em que o ex-presidente Lula foi condenado em segunda instância e perdeu o direito de concorrer. O mais provável é que a vitória tenha tomado forma na tarde de 6 de setembro, quando Adelio Bispo de Oliveira o esfaqueou.
Operado na Santa Casa de Juiz de Fora, Bolsonaro transformou-se em vítima. Ele, que na propaganda eleitoral tinha apenas oito segundos por programa, tornou-se o principal assunto dos noticiários. Seus seguidores, que antes lotavam aeroportos para saudá-lo com gritos de “mito, mito” inundaram as redes sociais com fatos e boatos e arrebataram os eleitores de centro-direita disputados por Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles, João Amoêdo e Alvaro Dias.
Internado por 23 dias, depois de duas cirurgias complicadas, Bolsonaro ficou fora dos debates do primeiro turno e foi poupado de explicar seu plano de governo. Com a campanha restrita às redes sociais, só cresceu nas pesquisas.
A expectativa de vitória no primeiro turno não se confirmou, mas a eleição estava ganha no momento em que, do outro lado, classificou-se Fernando Hadadd. O segundo turno não foi entre dois partidos nem entre dois homens. Foi entre Bolsonaro e o PT.
Ser a antítese do PT foi a principal credencial do capitão para vencer a eleição. Bolsonaro é produto de uma revolta coletiva contra o sistema político que teve o PT e o PSDB como protagonistas desde 1994. Sintetizada na expressão contra “tudo que está aí”, a candidatura foi ancorada na promessa de mais segurança para o cidadão acossado pela violência, combate à corrupção, respeito à propriedade privada e intolerância à esquerda, chamada de comunista por seus apoiadores.
RECORDE MANTIDO
Com 55,18% dos votos, o desempenho de Jair Bolsonaro no segundo turno ficou aquém dos resultados de Lula em 2002 e 2006 e de Dilma Rousseff em 2010. Lula foi eleito pela primeira vez com 61,2% dos votos e reeleito com 60,83%. Dilma fez 56,05%.
SEM LIGAÇÃO
Derrotado no segundo turno, Fernando Haddad não ligou para Jair Bolsonaro para cumprimentá-lo pela vitória ontem.
A falta de contato se deve às ofensas que o capitão direcionou ao petista ao longo da campanha. À Globo News, Haddad disse que não ligou porque não saberia qual seria a reação do presidente eleito se ele telefonasse.
Assim que a vitória foi consolidada, Michel Temer anunciou no Twitter que ligara para o vencedor da disputa. O presidente afirmou ter dito a Bolsonaro que o Brasil precisa de um governo de “paz” e “harmonia”.