O que a Jornada Nacional de Literatura, que voltou cheia de energia neste começo de outubro em Passo Fundo, tem em comum com o Festival Piauí GloboNews de Jornalismo, que me trouxe para São Paulo neste fim de semana? Poderia citar vários pontos de conexão, mas fico com o mais significativo: são momentos ímpares de reflexão sobre o papel da leitura nas nossas vidas. Pensar é preciso nestes tristes tempos de obscuridade e de notícias falsas que inundam as redes sociais.
Da Jornada de Literatura o que mais me encantou na passagem por Passo Fundo foi o envolvimento dos que a fizeram renascer e o encantamento das crianças, milhares delas se revezando sob a lona das rendas brancas para ouvir autores cujas obras foram trabalhadas nas escolas por seus professores. Formar leitores é jogar um facho de luz nas trevas da ignorância. Obrigada, Passo Fundo, por estar contribuindo para um país melhor.
Minha semana começou em Passo Fundo e está terminando em São Paulo, no festival de jornalismo que eu recomendaria a estudantes e profissionais. Falo do sábado, porque ainda tem muito mais neste domingo chuvoso, que passarei ouvindo jornalistas "que se chocaram com a história" e contarão o que aprenderam.
O sábado foi uma imersão no cotidiano de colegas que relataram experiências recentes nos campos de batalha das redações contra a praga das notícias falsas criadas para confundir o público, o autoritarismo de governos prepotentes, a violência de ditadores disfarçados. Na hora do almoço, uma sessão especial para ouvir a ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, dizer que se os brasileiros soubessem tudo o que ela sabe, teriam muita dificuldade para dormir.
Foi confortador ouvir do jornalista Samuel Laurent, do Le Monde, que nas redes sociais ele é acusado de ser de extrema esquerda e de extrema direita. Me identifiquei de cara, porque também por aqui a mania de rotular jornalistas é crescente. Laurent comanda seção Les Décodeurs, uma equipe de 12 pessoas encarregadas de desmontar boatos e de checar a veracidade do que dizem as autoridades no dia a dia e os candidatos em campanha eleitoral.
O americano Ryan Lizza, da New Yorker, contou detalhes hilários de como é lidar com um presidente (Donald Trump) que despreza a mídia, se comunica pelo Twitter e ameaça à paz mundial com seus destemperos verbais. Lizza é o repórter que, ao revelar a gravação de uma conversa em que era pressionado a revelar a fonte de uma informação divulgada em seu perfil no Twitter, derrubou Anthony Scaramucci, o secretário de Comunicação de Trump que durou 11 dias no cargo.
Da turca Gülsin Harman, ouvimos um relato dramático do que é ser jornalista no país governado com mão de ferro por Recep Erdogan. Depois de uma fracassada tentativa de golpe, Erdogan declarou guerra aos opositores e à imprensa que não seja alinhada com suas políticas. Essa guerra se dá na forma de prisões, censura, demissões e desqualificação nas redes sociais pelo exército de zumbis a serviço do governo. Jornalistas mulheres são ameaçadas de "estupro com uma garrafa quebrada" em avalanches de mensagens pelo Twitter.
A venezuelana Nathalie Alvaray contou sua saga de jornalista que acompanhou o aniquilamento da mídia pelos governos de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Por ter se recusado a esconder uma informação sobre a morte de dois manifestantes pela polícia política de Maduro ela perdeu as condições de continuar trabalhando na Cadena Capriles. Acabou sequestrada junto com a família, teve o computador pessoal e o telefone confiscados e acabou migrando para os Estados Unidos. Agora trabalha na Univision, rede de comunicação voltada para os imigrantes hispânicos, e acompanha apreensiva a crescente hostilidade e as ameaças de Trump de deportar milhões de estrangeiros.
Hoje o dia começa com Yevgenia Albats falando sobre as dificuldades de fazer jornalista na Rússia de Putin. O dia promete.