Eram 20h34min quando o presidente Michel Temer, já de volta ao Palácio do Jaburu, depois de uma tarde no Hospital do Exército, assistiu ao sepultamento da segunda denúncia contra ele. Foi o momento em que, com 157 votos a favor do relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), 14 ausências e uma abstenção, ficou matematicamente impossível reverter o resultado favorável ao presidente. Graças aos aliados convictos e aos que trocaram o voto por favores, Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco estão livres de responder a processo enquanto tiverem foro privilegiado, a menos que surja um nova e improvável denúncia do Ministério Público Federal.
A sessão foi um repeteco da de 2 de agosto, em que Temer se livrou do processo por corrupção passiva. Desta vez, a denúncia era por associação criminosa e formação de quadrilha, mas os discursos não mudaram, inclusive com menções a Deus.
Quem votou com Temer invocou, principalmente, a melhora dos indicadores da economia e a suposta inconsistência da acusação, com elogios “ao relatório do PSDB”. Quem votou contra não se restringiu à corrupção. Nos 15 segundos a que tinham direito, os deputados discursaram contra as reformas e as privatizações, que não estavam em discussão. Dezenas de deputados não conseguiram concluir o raciocínio no tempo escasso e terminaram com o microfone desligado.
A vitória com placar semelhante ao da primeira denúncia foi conseguida graças a um azeitado esquema de compra de apoio que incluiu a nomeação de apadrinhados para cargos em estatais, a liberação de emendas parlamentares e de dinheiro para municípios da base dos aliados, além do atendimento de demandas de setores específicos, como a portaria que dificulta a fiscalização do trabalho escravo, a renegociação de dívidas e até a exclusão do Aeroporto de Congonhas do programa de concessões federais.
O deputado Darcísio Perondi (PMDB) foi fotografado conferindo a lista de presenças no placar eletrônico, enquanto tinha nas mãos uma planilha com demandas de municípios e os valores em reais. À repórter Débora Ely disse que uma coisa nada tinha a ver com a outra: estava apenas conferindo os pedidos dos municípios e na planilha não constavam nomes de deputados.
O assédio ao deputado Jerônimo Goergen (PP) para votar a favor de Temer ilustra os métodos utilizados pelo Palácio do Planalto para cooptar parlamentares. Integrante de um partido da base, Goergen se declara independente e votou pelo prosseguimento da denúncia, mesmo sabendo que isso poderá lhe custar a reeleição, já que os concorrentes estão recebendo mais recursos federais para suas bases eleitorais.
“Me ajuda que eu te ajudo”, pediu o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, companheiro de partido e de militância no movimento ruralista, em mensagem pelo WhatsApp. A mesma frase foi usada por Blairo em conversas com outros parlamentares indecisos ou dispostos a votar contra o relatório. O deputado não se comoveu com a promessa de ajuda e avisou que ia votar contra o presidente:
— As ameaças não me intimidam. Não me considero base. Sou independente e seguirei coerente, ajudando o governo no que for bom e cobrando o que não for.
Pela manhã, enquanto falava com a Rádio Gaúcha no Salão Verde da Câmara, criticando o balcão de negócios, Goergen recebeu no grupo de WhatsApp da bancada uma mensagem de Perondi, um dos mais convictos defensores de Temer: “JERÔNIMO! Pega mais leve”. Dois minutos depois, o deputado respondeu: “Perondi, com todo respeito, cada um cuida do seu mandato e eu cuido de acordo com o que meus eleitores pedem”. Giovani Cherini (PR) entrou na conversa para acrescentar uma reflexão bíblica: “Dizia Jesus ‘quem não for pecador atire a primeira pedra”. Cherini, que na votação anterior estava em licença médica, desta vez votou com Temer.
Autor de um projeto para acabar com as emendas parlamentares, Goergen não encontra apoio dos seus pares para aprovar a mudança. Agora, está animado porque recebeu da Confederação Nacional dos Municípios a promessa de ajuda para mudar a lei.
— Depois de cinco anos de trabalho, já tenho quase todas as assinaturas para protocolar a Proposta de Emenda Constitucional — anima-se.
A justificativa para a mudança na forma de repasse para os municípios cabe em uma frase:
— Emenda compra apoio.
Aliás
Com seis deputados, a bancada do PP gaúcho partiu-se ao meio na votação. Por coincidência, os três integrantes da ala ruralista votaram contra Temer: Afonso Hamm, Jerônimo Goergen e Luis Carlos Heinze. Com o presidente ficaram Covatti Filho, José Otávio Germano e Renato Molling.