A figura da montanha-russa, usada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ilustra bem a reviravolta na delação dos donos da JBS, ameaçados de perder os benefícios negociados com o Ministério Público Federal.
No dia esperado para a apresentação de uma nova denúncia contra o presidente Michel Temer, Janot admitiu a possibilidade de rever, em parte ou integralmente, os benefícios oferecidos aos irmãos Joesley e Wesley Batista e ao executivo Ricardo Saud. Mais: questionado pelos jornalistas, disse que, se o acordo for rescindido, os "colaboradores" poderão até ser presos.
Quais são os "fatos gravíssimos" contidos nas quatro horas de conversa que os delatores trapalhões gravaram por engano? Janot apenas deu pistas e entregou a batata quente para o Supremo Tribunal Federal descascar. Caberá aos ministros decidirem se liberam o áudio em que dois delatores (provavelmente Joesley e Ricardo Saud) envolvem um deputado e agentes da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal.
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Da PGR está claro: a pessoa em questão é o procurador Marcello Miller que, por três anos, foi braço direito de Janot e depois mudou de lado. Foi trabalhar no escritório de advocacia que negociou a delação premiada. Quem é o parlamentar? Janot não disse. Quem é a pessoa do STF? O procurador não quis dizer. Alegou que a gravação "envolve a privacidade das pessoas". E repetiu que são fatos gravíssimos.
A gravação comprometedora estava perdida em um emaranhado de áudios entregues pelos delatores como complemento ao material apresentado à época da negociação do acordo. Foi localizada na manhã de domingo por uma procuradora que participava da força-tarefa montada para ouvir, em regime de mutirão, as gravações.
Quem ganha com essa confusão? À primeira vista, o grande beneficiário é Temer, que está na China e passou os últimos dias sob a espada de uma nova denúncia. Embora Janot tenha dito que a eventual rescisão do acordo firmado com os donos da JBS não anula as provas entregues pelos delatores, uma nova denúncia, agora, nasceria enfraquecida.
Na China, o dia estava amanhecendo quando Janot fez o pronunciamento que dá a Temer um bom motivo para brindar com os companheiros de viagem usando a palavra "campei", equivalente em mandarim de "saúde" (em português) ou cheers (em inglês). Às 20h do Brasil, o ministro Osmar Terra, que integra a comitiva, disse à coluna que ainda não havia conversado com o presidente.
Aliás
Desde o início, os benefícios oferecidos pela Procuradoria-Geral da República aos donos da JBS foi considerado desproporcional às provas apresentadas, levantando suspeitas de que alguma coisa obscura estava por trás da negociação. Nenhum delator conseguiu acordo tão rápido e tão vantajoso quanto os irmãos Batista.