A menina Clarissa que dá nome a um dos livros de Erico Verissimo é apresentada aos leitores num dia luminoso de primavera, com pessegueiros e glicínias floridos. Nada a ver com esta manhã chuvosa do último sábado do inverno de 2017 em que encontro Clarissa, a filha de Erico, mulher madura, ao lado do irmão Luis Fernando Verissimo. Estamos todos na livraria mágica de Porto Alegre, que leva o nome de Erico Verissimo, uma joia encravada no Centro Histórico (Rua Jerônimo Coelho, em frente ao Hotel Embaixador).
Convidada pelo amigo Nilson Souza, saí de casa sob chuva inclemente para assistir à homenagem que Denise, a dona da livraria mágica, decidiu fazer aos Verissimo, aproveitando que Clarissa está em Porto Alegre. Não perderia esse encontro nem que chovesse canivetes abertos nesta manhã de aguaceiro.
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Antes das homenagens, o público que se espalha pela livraria repleta de raridades é brindado com uma palestra do professor Moacyr Flores, o historiador que esbanja conhecimento, elegância e aquela ironia que seduz plateias porque é produto de uma inteligência superior. Aos 82 anos, o professor tem a postura, os gestos e a aparência de um lorde. Dispensa o PowerPoint que a maioria dos palestrantes usa como bengala e vai desconstruindo os mitos da Revolução Farroupilha ancorado apenas em sua memória privilegiada e no domínio de nomes, fatos e datas.
– O historiador é um estraga-prazeres. Busca documentos e estraga a fantasia que cerca os fatos históricos – adverte no início da conversa.
O preâmbulo dá ideia do que virá a seguir:
– Comemorar o 20 de setembro é um absurdo. Porto Alegre era imperial. Os farroupilhas nada tinham de esfarrapados, a revolução nada teve a ver com o charque nem com os impostos cobrados pelo Império.
A primeira hora passa voando. Todos queremos beber um pouco mais da sabedoria do professor. A casa ficou cheia. Não há cadeiras para todos. Lá fora, a chuva não dá trégua. Na plateia, o ex-governador Olívio Dutra e a mulher, Judite, ouvem atentos. O professor Sergio da Costa Franco, um dos grandes historiadores do Rio Grande do Sul, acompanha a dissertação de Moacyr Flores com a concentração de um estudante que faz questão de sentar-se na primeira fila.
Passada a fase das perguntas, é hora das homenagens. Primeiro o apresentador do Galpão do Nativismo, Dorotéo Fagundes. Depois, os Verissimo. Denise conta um pouco da sua história com os livros (dela falarei em outro domingo). Convidam-me a entregar uma espécie de pergaminho aos filhos de Erico e fico sem saber o que dizer. Quando você está diante de um escritor da estatura de Luis Fernando Verissimo, vai falar o quê? Quando encontra a mulher com nome de livro, sente-se insignificante. Fico com a voz embargada diante de Clarissa. Abraço os filhos de Erico e saio com a 54ª edição de Clarissa (Editora Globo) autografada pelos dois irmãos e a certeza de que ganhei o fim de semana nestas quase três horas de encantamento.