Em qualquer lugar do planeta, um ataque terrorista deveria abrir uma cratera na alma da civilização, porque é das coisas mais abjetas que a maldade humana pode produzir. Massacres em cidades que conhecemos nos tocam mais, porque é como manchar de sangue as imagens que arquivamos na memória. Foi a sensação que tive na quinta-feira, depois de ler as notícias e ver as primeiras imagens dos mortos e feridos na Rambla, que considero uma das avenidas mais lindas do mundo.
Barcelona foi um caso de amor à primeira vista. Apaixonei-me pela cidade no verão de 1997, quando fomos, a família inteira, visitar os amigos Luciane Aquino e Juarez Jover, que moravam de frente para a Sagrada Família, a majestosa obra de Gaudí. Lá, na casa dos padrinhos, festejamos o segundo aniversário da Luiza, que agora tem 22. Eduardo tinha seis anos e nunca uma cidade me pareceu tão amigável para passear com crianças.
Empurrando um carrinho dobrável, meu marido e eu subimos e descemos a Rambla incontáveis vezes, parando para apreciar as estátuas vivas, os dançarinos que se apresentavam no calçadão, os músicos que tocavam violino, guitarra ou bandoneón. Protegidos do sol de julho pela sombra dos plátanos, passamos tardes inesquecíveis contemplando as bancas de flores e de jornais, os bares, os cafés e a tranquilidade dos turistas que caminhavam sem medo, depois de anos de preocupação com o terrorismo. Eu mesma tinha desistido de ir a Barcelona sete anos antes, por medo dos terroristas do ETA. Em 1997, eles ainda não tinham sido dominados, mas haviam perdido força.
Voltei em 2013 com meus filhos adultos e com uma das minhas irmãs. Alugamos um apartamento nessa mesma Rambla agora cenário de pesadelo. Para eles, foi a descoberta de uma cidade encantadora. Para mim, o reencontro com as cores, os cheiros e os sons da Cataluña e a certeza de que, se um dia decidisse morar na Espanha, seria lá.
Este não foi o primeiro atentado terrorista a lugares por onde passei. Estive no topo do World Trade Center alguns anos antes do fatídico 11 de Setembro. Atravessei o Tâmisa mais de uma vez pelas pontes em que turistas foram atropelados em circunstâncias semelhantes ao massacre de Barcelona. Tomei vinho quente em uma feira de Natal de Berlim, em 1999, sem jamais imaginar que um dia, naquele lugar tão mágico, um terrorista a bordo de um caminhão atropelaria pessoas para chamar a atenção do mundo.
Esses atentados me abalaram mais do que os ocorridos em cidades de nomes impronunciáveis, porque conheço o território, mas o de Barcelona teve um ingrediente adicional: é impossível esquecer que lá passeei com meus filhos no tempo em que se podia caminhar sem medo. Quero voltar a Barcelona, Paris, Londres, Madri, Berlim. Não vou entregar os pontos para terroristas que semeiam ódio e medo. A civilização há de vencer.