Mesmo quando parecem de natureza distinta, os escândalos que chocam os brasileiros todos os dias têm o mesmo fio condutor: a impunidade. É nessa chocadeira que fermenta a corrupção. O produtor que adiciona soda cáustica ou formol ao leite azedo para dar-lhe uma sobrevida tem a mesma raiz do dono do frigorífico que vende carne podre maquiada para parecer normal, do fiscal que fecha os olhos para a fraude, do político que aceita propina, do empresário que paga, do sonegador que tenta enganar o fisco. Todos acham que corruptos são os outros.
A Operação Carne Fraca, deflagrada na sexta-feira, mostrou que, enquanto a fiscalização sanitária se preocupava com o açougueiro do interior e seu abatedouro clandestino, grandes frigoríficos estavam praticando crimes de proporções amazônicas contra a saúde pública. A Operação Leite Compen$ado, que já está na 12ª fase, já havia mostrado o conluio entre fiscais corruptos e produtores que debocham da polícia e do Ministério Público.
Leia mais:
Polícia Federal diz que propina abastecia o PMDB e o PP
Ministério da Agricultura afasta 33 servidores envolvidos na Operação Carne Fraca
"Tenho carnes deles no meu freezer", afirma Tony Ramos
Na ânsia do lucro fácil, os inescrupulosos colocaram por terra a credibilidade de um setor que movimenta bilhões de reais no país. Além de alarmar o consumidor do mercado interno, a fraude pode fazer o Brasil perder posições conquistadas nos últimos anos no mercado internacional. Ainda que os controles sejam mais rígidos na exportação, porque o comprador internacional fiscaliza, quem vai querer comprar carne brasileira sabendo que os maiores frigoríficos burlam as regras sanitárias em aliança com fiscais corruptos?
A ligação entre o escândalo descoberto na Operação Carne Fraca e seus antecessores vai além da degradação moral dos envolvidos: está presente, mais uma vez, o financiamento de campanhas eleitorais. O delegado federal Maurício Moscardi Grillo disse que parte do dinheiro arrecadado pelo esquema de corrupção envolvendo fiscais e maiores frigoríficos do país abastecia o PMDB e o PP.
O Grupo JBS (Friboi, Seara e outras marcas conhecidas do consumidor) está entre os maiores doadores legais nas últimas campanhas. O desafio das autoridades agora é, a exemplo do que está sendo feito com as empreiteiras, identificar o que foi legal mesmo e o que é propina disfarçada.