Os amigos Paulo Odone e Fernando Ernesto Corrêa, que jantaram com o ministro Teori Zavascki na terça-feira no restaurante Sakura, na Avenida Cristóvão Colombo, em Porto Alegre, testemunham que ele estava descansado e feliz. Tinha passado 15 dias em uma casa alugada em Xangri-lá, onde reuniu a família e recebeu amigos. Pretendia antecipar o retorno do recesso para dar andamento ao trabalho como relator da Lava-Jato e estava decidido a homologar, no início de fevereiro, as delações premiadas de Marcelo Odebrecht e de outros executivos da empreiteira.
Antes de se entregar aos afazeres de relator, passaria os últimos dias de férias na Costa Verde do Rio de Janeiro, como hóspede do amigo Carlos Filgueiras, dono do Hotel Emiliano, que morreu com ele na queda do avião.
Nos dias em que passou em Xangri-lá, o ministro dedicou-se ao filhos, aos netos e aos amigos. Odone é um dos amigos mais antigos. Os dois se conheceram quando o ex-deputado estava iniciando a carreira como advogado e Teori fez estágio no escritório que ele dividia com Luiz Carlos Madeira e Manoel André da Rocha. Nunca se afastaram. O último ato de Odone como deputado estadual, em dezembro de 2014, foi homenagear Teori com a Medalha do Mérito Farroupilha (foto), entregue pelo então presidente da Assembleia, Gilmar Sossella.
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Odone foi confidente do ministro nos momentos mais tensos de seu trabalho como relator da Lava-Jato. É testemunha do caráter reto de Teori e de sua imparcialidade como juiz.
– Ele sempre disse que não se importava com as críticas de um lado ou de outro. Que cumpriria a lei e a Constituição – relata.
Essa disposição, Teori levou às últimas consequências. Desagradou ao PT quando autorizou a prisão de Delcídio Amaral. Foi atacado pelos militantes do Movimento Brasil Livre (MBL) quando desautorizou o juiz Sergio Moro, por divulgar escutas ilegais de uma conversa da presidente Dilma Rousseff. O equilíbrio de suas decisões, combinado com a discrição, desnorteava os maniqueístas, que não conseguiam aplicar-lhe um rótulo.
Uma das melhores definições sobre o caráter de Teori veio em forma de crítica de dois homens que não gostavam dele. Na gravação de uma conversa com o senador Romero Jucá, o futuro delator Sergio Machado diz, ao comentar a sugestão de que seria preciso fazer um pacto para esvaziar a Lava-Jato:
"Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori, mas parece que não tem ninguém". Jucá responde: "Não tem. É um cara fechado, foi ela (Dilma Rousseff) que botou, um cara... burocrata da... Ex-ministro do STJ".
Em determinados momentos, Teori sentiu-se ameaçado e rendeu-se à necessidade de andar com seguranças. A amigos e familiares, chegou a relatar que temia um atentado. Isso foi antes da prisão do ex-deputado Eduardo Cunha. Ultimamente, havia dispensado a segurança. Nas férias em Xangri-lá e mesmo em Porto Alegre, circulava sozinho, como se fosse uma pessoa comum e não o relator do processo mais rumoroso da história recente do Brasil. Já não se sentia ameaçado.
Um dos momentos mais difíceis para o ministro ocorreu em 2015, quando ele foi a Faxinal dos Guedes para o aniversário de cem anos de sua mãe, Pia Fontana, que faleceu um ano depois. Em sinal de protesto pela atuação na Lava-Jato, um vizinho virou uma lata de lixo em frente ao portão da casa dela. Em 23 de março de 2016, a Banda Loka Liberal, integrada por simpatizantes do MBL, promoveu um protesto em frente ao prédio em que morava, no bairro Bela Vista. Vestidos de verde e amarelo, os manifestantes entoaram cânticos e exibiram faixas com a inscrição "Teori traidor" e "Teori Zavascki, pelego do PT".
Com a morte de Teori, abre-se um período de incerteza sobre o destino da Lava-Jato no Supremo. A única certeza é de que a homologação das delações dos executivos da Odebrecht não será imediata. Um novo relator terá de inteirar-se do conteúdo de milhares de páginas que Teori e sua equipe já haviam lido. Quem vier a sucedê-lo terá de começar praticamente do zero, a menos que seja um dos integrantes da segunda turma, da qual ele participava. Mesmo nessa hipótese, não se deve esperar decisões rápidas: o abalo é irreversível.
A trágica morte do ministro não abalou apenas a comunidade jurídica. Nas redes sociais, multiplicaram-se as manifestações de pesar – e as teorias conspiratórias, repetindo o que ocorreu na morte de Eduardo Campos, em um acidente de avião no dia 13 de agosto de 2014, a menos de dois meses da eleição presidencial.