Quem mais ganha com a prisão do senador Delcídio Amaral? Não é nenhum dos seus adversários em Mato Grosso do Sul, mas o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Porque a prisão de Delcídio, a primeira de um senador no exercício do mandato, tira o foco das denúncias que podem custar o mandato a Cunha. O voto do relator Fausto Pinato, favorável à cassação, está para ser apreciado na Comissão de Ética na Câmara, mas é indiscutível que Cunha ganhou fôlego.
Além de ser um profundo conhecedor do regimento interno _ e dos atalhos que podem ser utilizados _, Cunha é um homem de quem se pode dizer que tem santo forte. Primeiro foram os atentados em Paris, que atraíram as atenções do mundo e o deixaram em segundo plano no Brasil. Agora, é a prisão de Delcídio e do banqueiro André Esteves, dois pesos pesados da política e da economia. Com isso, Cunha ganha tempo para trabalhar na defesa e, quem sabe, articular uma operação de salvamento na Comissão de Ética ou no plenário, se a decisão sobre seu futuro ficar para os 512 deputados.
Assim que Delcídio foi preso, os leigos passaram a questionar: por que ele foi preso e Eduardo Cunha segue livre, leve e solto? A resposta veio no primeiro questionamento de juristas à prisão de Delcídio: a Constituição, no artigo 53, prevê que, depois de diplomado, um deputado ou senador só pode ser preso em flagrante delito e por crime inafiançável. Traduzindo, as provas já apresentadas contra Cunha podem até ser mais fortes do que as usadas para embasar a prisão de Delcídio, mas não configuram o flagrante.
No caso de Delcídio mesmo, há quem questione a caracterização de flagrante, mas a Procuradoria-Geral da República sustentou que era possível enquadrá-lo no artigo 53 por estar obstruindo, de forma continuada, a ação da Justiça. O ministro Teori Zavascki acolheu a interpretação e autorizou a prisão, que depois foi referendada pelos demais integrantes da 2ª turma do STF encarregada de tudo o que envolve a Lava-Jato.
As gravações apresentadas pelo Ministério Público Federal mostram que o senador estava envolvido num plano de fuga do réu Nestor Cerveró e da oferta de pagamento de uma mesada à família para que ele não entregasse informações comprometedoras para o senador. Delcídio não foi flagrado numa escuta telefônica legal ou ilegal: a gravação foi feita ao vivo por Bernardo Cerveró, filho de Nestor, com quem o senador e o advogado do ex-diretor da Petrobras discutiam o plano de fuga para Espanha, via Paraguai ou Venezuela. Para piorar sua situação, ainda fez bravata usando o nome de quatro ministros do Supremo (Teori Zavascki, Dias Toffoli, Edson Fachin e Gilmar Mendes), insinuando que teria influência sobre eles para libertar Cerveró.